Página  >  Edições  >  N.º 135  >  Dimensão crítica na construção do conhecimento pedagógico/escolar

Dimensão crítica na construção do conhecimento pedagógico/escolar

A maioria das iniciativas de política educativa para promover a qualidade nas práticas de ensino têm o seu núcleo na questão da diversidade.

Parece evidente que o desempenho docente de qualidade ? que assegure a todos os alunos aprendizagens de qualidade em condições de igualdade de oportunidades - é cada vez mais determinado pelos modos como os professores lidam com a crescente diversidade dos seus alunos e com conhecimentos trazidos por eles e pelas novas tecnologias. E, na verdade, a maioria das iniciativas de política educativa para promover a qualidade nas práticas de ensino têm o seu núcleo na questão da diversidade. Desde logo, a revisão curricular foi fortemente movida pela necessidade de responder à pressão da crescente diversidade no sistema educativo e no intuito de uma educação de maior qualidade no contexto de uma Europa cada vez mais competitiva. Também os programas e projectos mais específicos, politicamente promovidos, visavam consolidar formas de lidar curricularmente com a diversidade dos alunos. São disso exemplos os projectos de flexibilização curricular, currículos alternativos, educação intercultural, educação inclusiva, educação para a cidadania, etc. Não sei, no entanto, se no desenvolvimento dessas iniciativas a preocupação mais consciente e real tenha sido, de facto, mais a promoção da qualidade de aprendizagens para todos do que a preocupação com o controlo daquela diversidade no quadro da assimilação do currículo nacional.
Ao nível de escola e de professores são muitos os factores de resistência à gestão do currículo para uma população escolar cada vez mais diversificada. São resistências que se situam nos domínios das concepções dominantes acerca do conhecimento escolar; da monoculturalidade curricular; dos preconceitos étnicos e ?raciais`; das perspectivas acerca das culturas, comunidades e famílias das minorias; da organização administrativa e pedagógica da escola; dos tradicionais mecanismos de funcionamento da escola que tendem a desfavorecer as culturas descrepantes de padrões nacionais. etc.
A releitura dum texto de James Banks (1997) acerca  dos diferentes tipos de conhecimentos - pessoal e cultural, popular/mediático, académico dominante, académico transformativo e escolar/pedagógico ? aviva alguma reflexão acerca dos modos como a diversidade dos conhecimentos dos alunos, numa escola cada vez mais heterogénea culturalmente, são tratados na escola. E é, particularmente, sobre os modos predominantes de tratar o conhecimento pedagógico nas escolas que vou tecer alguns comentários.
O conhecimento escolar/pedagógico pressupõe modos de adequação curricular da cultura e do conhecimento académico dominante aos alunos. As perspectivas tradicionais de formação de professores orientam-se quase exclusivamente para a transmissão desta concepção de conhecimento e para competências de transformação dos conhecimentos construídos com base em paradigmas científicos eurocêntricos em conhecimento prontos a transmitir aos alunos ao longo de diferentes faixas etárias. Isto é particularmente evidente no domínio das ciências sociais e humanas. São subvalorizadas as diferentes racionalidades e tipos de conhecimentos que, cada vez mais, convivem na sociedade em que se educa. Certamente que não terão lugar nessa perspectiva de formação abordagens de conhecimentos transformativos que coloquem em questão o conhecimento dominante e alargue e reveja os cânones, paradigmas, teorias, explicações e até os métodos estabelecidos, assumindo que o conhecimento é influenciável por interesses, reflecte relações de poder numa sociedade. E que só fará sentido se a sua principal finalidade for ajudar a melhorar as condições de vida das pessoas.
É esta concepção de conhecimento escolar/pedagógico que é veiculado pelos manuais escolares. São, em geral, conhecimentos apresentados como estáticos; fornecem visões muito selectivas, simplistas, monoculturais, a-críticas da realidade; não desafiam a intervenção e a transformação da realidade social, contribuindo para a inclusão pacífica dos indivíduos nas estruturas sociais, económicas e de poder existentes.
Também o conhecimento que Banks chama de pessoal e cultural estará ausente daquela perspectiva de formação. É o conhecimento que resulta do processo de socialização nos contextos familiar e cultural de origem dos alunos. Constitui, por assim dizer e em sentido restrito, o conhecimento do domínio da Antropologia. É usado pelos alunos como filtro nos modos como olham e interpretam o conhecimento e experiências que encontram na escola e noutras instituições sociais da sociedade alargada (p. 112). Em contextos social e etnicamente diversos, os códigos culturais de origem de muitos alunos, entram, muitas vezes, em conflito com os conhecimentos, as normas, valores escolares e com os modos como os professores os interpretam e mediatizam, com reflexos negativos nas interacções, daqueles alunos, nos grupos escolares. Face a estas possibilidades, espera-se que os professores adquiram conhecimentos, desenvolvam atitudes e competências que lhes permitam ser críticos relativamente ao conhecimento académico dominante e usar o conhecimento pessoal e cultural dos alunos como ?ponte` para o conhecimento escolar e, ao mesmo tempo, ajudá-los a ultrapassar as suas próprias fronteiras culturais e educar para uma cidadania interdependente, necessariamente  intercultural.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo