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Variáveis temáticas do desenvolvimento

Ambiguidades lógicas em torno da construção conceptual

Um observador que desembarcasse de um objecto não identificado da órbita lunar e, não importando o país,  tomasse parte em determinadas reuniões de segmentos governamentais e académicos, propagandeadas, claro, pelos didácticos conselheiros mediáticos, daria razão aos antropólogos estruturalistas. Diria que se repetem versões, por vezes consubstanciadas num arrazoado pseudo-erudito, de um mesmo mito: atraso e progresso, produtividade e improdutividade, deficiências na formação e competências profissionais, exclusão social (inclusivamente, latente, como tem sido dito)  e inclusão, etc. Entediado, o nosso ser ?do outro mundo? logo concluiria estar perante mentes responsáveis pela limitação de imagens e pensamentos a oposições binárias. Porquê é assim que tem corrido a construção de conceitos em torno das variáveis temáticas do desenvolvimento. É como se a discussão analítica estivesse acorrentada a abstractos modelos preestabelecidos - e geralmente, incompreensíveis -,  onde a criatividade intelectual não tem vez.   
Ora, não se produz um conceito pelo desdobramento da razão sobre si própria. Nenhuma formulação se pode constituir, densamente, pelo ?desdobramento lógico? de uma dialéctica das abstracções, tendo como referente elaborações anteriormente formatadas, donde então se procederia a realização de oposições. Neste sentido, o que se tem passado no campo educativo é paradigmático, onde, por exemplo, ao se ter em conta a relação educação & mercado de trabalho, realiza-se um deslizamento conceptual, sem base empírica, para negar o conceito de classe social, realçando-se a ideia geral de um suposto fim do conflito entre capital e trabalho, para então se apresentar a tese de que, com o conceito de classe evoluindo nesta ou naquela direcção, tem-se a sua superação. Um autêntico descuido em relação ao que de mais frutífero se encontra na Teoria Social Clássica e Contemporânea. Isto já para não se falar que perspectivas desta natureza têm renunciado os seus atributos analíticos, para se assumirem como meramente normativas, acentuando apenas o que entendem ser os aspectos positivos dos fenómenos estudados e negando-se, por conseguinte, a discutir os aspectos que não tenham esta caracterização.
Embora, hoje, possa até parecer que a construção de conceitos realiza-se de modo tão trivial (basta proceder a formalização conceptual, derivar supostas consequências lógicas, etc.), a verdade é que é preciso descartar tanta simplificação, e isto por um motivo que, não fosse alguns modismos de agora, seria desnecessário repisar: As categorias e teorias são constituídas na prática política e na prática intelectual de um conjunto de pessoas socialmente situadas.    
Dessa forma, não existe ? senão para efeitos lógico-analíticos ? uma separação entre conceito e história, entre teoria e política. O conceito nasce ?impuro? na luta prática (teoria e prática). No ?teste real? para sua adequação, a teoria se consolida na medida em que, objectivamente, permite ver de forma mais nítida o processo real. Entretanto, o esforço para ver ?mais nítido? o processo real não decorre simplesmente do modo pelo qual se estrutura formalmente um conjunto de relações. Decorre, ao mesmo tempo, da capacidade que se tenha de fundir nos movimentos sociais, em sentido lato, a perspectiva política derivada do ?campo da percepção? aberto pelo discurso teórico. 
Portanto, insisto, uma construção conceptual credível, como síntese que traduz no pensamento, de forma reconstruída, situações contextualmente referenciadas, não pode ser resultado de um movimento do pensamento sobre si mesmo ? a não ser que se queira abonar os equívocos de uma determinada linguística estruturalista. Tal construção não pode ser concebida também como resultante de um esforço para captar o ?sentido das coisas?. Posto isto, quanto a mim, há que reter que ela surge como consequência de uma mesma e contraditória démarche através da qual, na passagem da ideologia à ciência, se produz a história e o conhecimento.  Trata-se de um processo histórico de produção teórico-prática do conhecimento, pois, a um só tempo, tanto o conhecimento é sua história como a História só se deixa apreender por meio dos conceitos que a organizam.
Retendo as sinalizações desta breve incursão acerca da construção conceptual e tendo em conta o panorama discursivo das variáveis temáticas realçadas no início deste texto, não se pode senão apontar o carácter brumoso da forma como elas procuram se estruturar ?conceptualmente?. Faltam-lhes premissas argumentativas que abordem sistematicamente o processo social e as relações a ele subjacentes. Sem isto,  caí-se numa retórica que, movendo-se pela indução de oposições abstractas, não considera as particularidades contextuais e as dissolve em ideias gerais.
A formulação de conceitos, contudo, requer mais do que um ?vaguear geral?. A focagem analítica, sítio onde os conceitos são enformados e articulados, repiso, desenvolve-se tendo como referência um contexto socialmente situado, onde homens e mulheres agem e interagem em função de propósitos económicos, políticos e culturais.
Portanto, é necessário criatividade para desacorrentar a discussão, sobre as variáveis temáticas aqui referidas, de abstractos modelos preestabelecidos. Só assim serão suscitadas as dúvidas que, mais do que as recomendações de determinadas receitas, poderão abrir caminho para se atingir os objectivos almejados, conforme a acção colectiva dos intervenientes sociais e a pactuação política por eles realizada.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 134
Ano 13, Maio 2004

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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