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As ?verdades inquestionáveis? no governo e gestão das instituições de ensino superior

A PROFISSÃO DOCENTE

Uma primeira alteração relaciona-se com a avaliação individual dos professores, que representa, no fundo, o princípio do fim da crença ?secular? na liberdade académica e na auto-regulação profissional (?)

Em termos internacionais, as condições do exercício da profissão docente no ensino superior estão a alterar-se com alguma profundidade. Uma primeira alteração relaciona-se com a avaliação individual dos professores, que representa, no fundo, o princípio do fim da crença ?secular? na liberdade académica e na auto-regulação profissional: a ligação de sistemas de recompensas, reais ou simbólicas, aos resultados da avaliação conduz a que alguns profissionais possam ser categorizados como ?incapazes? se, por exemplo, não conseguirem realizar uma produção científica (de que tipo?) alinhada por padrões formais (quais? e porquê?) mais ou menos universais.
A segunda alteração refere-se à tendência observada em alguns países para a crescente fragilização do estatuto profissional dos professores, principalmente ao nível do grau de solidez do seu vínculo com as instituições. Há mais perenidade neste vínculo, aumentam os contratos em ?part-time? e assiste-se ao recurso a monitores ou a estudantes de doutoramento para o desempenho de tarefas de ensino nos cursos de graduação (na Europa cerca de 1/3 dos docentes não são permanentes e, nos E.U. e na Austrália esta proporção atinge respectivamente 43% e 40%).
A terceira alteração prende-se com o deslocamento do estatuto público para uma base contratual individualizada na relação estabelecida entre os professores e a instituição (em grande parte esta evolução resulta da combinação entre as concepções ?managerialistas? da natureza do trabalho académico e a descentralização do poder de decisão nas instituições ao nível do recrutamento e da progressão na carreira).
Estas três situações misturam-se, numa combinação ?explosiva?, com pressões externas para que os professores se tornem mais ?empreendedores?, joguem com mais entusiasmo no ?campeonato? da competição interinstitucional (por recursos, por projectos, pela produção científica, etc.) e alinhem, também com um pouco mais de entusiasmo, com as receitas do mercado (por vezes, até mesmo com as receitas do ?fundamentalismo de mercado?). Esta combinação ?explosiva? produz alguns efeitos perversos dos quais deixamos aqui alguns exemplos:
Reforço substancial da tecnociência, da ?investigação empreendedora? ou da ?investigação estratégica? em prejuízo da investigação fundamental, o que conduz ao aumento dos professores em ?part-time? contratados para tarefas específicas de investigação;
Conflitos e tensões nos professores quando os resultados da investigação não correspondem aos resultados esperados pelos financiadores privados;
Limitações na troca de experiências e na partilha de resultados entre académicos (o segredo da investigação torna-se numa regra);
Constrangimentos, impostos por imperativos de gestão, na ?tradicional? liberdade de ensinar e investigar;
Diminuição da autonomia individual sob pressão para uma maior identificação e solidariedade com a instituição e, sobretudo, com os seus interesses unificados;
Agravamento das tensões entre as tarefas de ensino, investigação, gestão académica e cooperação com a sociedade;
Aumento da regulação, controlo e vigilância do trabalho académico e limitação gradual da colegialidade, da confiança e da discrição profissional.
A listagem (não-exaustiva) deste conjunto de exemplos tem unicamente por objectivo significar que não há ?verdades inquestionáveis? no governo e gestão das instituições de ensino superior.


  
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Edição:

N.º 133
Ano 13, Abril 2004

Autoria:

Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro
Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro

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