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Catequeses e sexualidade infantil

Um Manifesto

Para Angélica Espada, que sabe da Infância

No seu texto inédito Pragtamisme et Sociologie, (manuscrito na minha posse) proferido na Universidade da Sorbonne de Paris, durante o ano de 1913-1914, o velho socialista e materialista histórico, Émile Durkheim, comentava que os velhos deuses estavam mortos e que a religião estava em vias de mudança. Mas, acrescentava, nem tanto assim, porque todo o ser humano precisa de ritos, ideias, ética, interacção moral, orientação na criação dos seus descendentes. Donde, a Religião, seja ela qual for, pelo menos define as relações entre pais e filhos ? voir mães ? pais ? filhos ? filhas. A nossa língua não tem ainda um conceito para designar estas relações, apenas excepto ascendentes e descendentes, palavras sem música e indefinidas. Max Weber entre 1904 e 1915, ocupou o seu tempo em definir esses conteúdos entre Xiitas, Budistas, Luteranos, Calvinistas, Cristãos Koptos, Cristãos Arménios, Cristãos Romanos. E são estes os que nos interessa entender melhor, por sermos, por um lado, um País em debate sobre a educação sexual da infância, e por outro, um País de Concordata entre o Estado Vaticano e o Português. E, no entanto, os cristãos romanos falam pelo seu grupo nos lugares de mando, sem separarem o seu dogma dos interesses da população. Bem sabemos que se ensina, como optativa, uma disciplina que pode ser ou Educação Cívica ou Estudos Religiosos, como sabemos também que a Igreja Romana tem decidido ensinar as suas ideias conforme são decretadas no Vaticano. Os Cristãos Romanos não podem pensar na forma de serem pais, ou ainda, se querem ou não se?lo.
Desde 1566, quando o Papa Pio V publicou o Catecismo de Trento, a família passou ? a exemplo do que fizeram Matin Luther e o Rei James da Inglaterra ? uma regulamentação obrigatória, escrita em línguas faladas pelo povo e ensinadas ao povo desde o primeiro dia do seu entendimento. Diz o Código de Direito Canônico de 1983, no cânon 97, # 2, que toda a criança tem uso de razão, a partir dos sete anos de idade, logo, tem deveres. E esse primeiro dever está definido nos artigos 2196 até ao 2246, incluindo - no artigo 2201- dentro dos deveres de família,  como a base da união da vida social, a semente da interacção, a obediência à autoridade civil, porque à Eclesiástica já está dita no Capítulo II do catecismo denominado da Igreja Católica, artigos 50 a 68, com minúcia e muita história sintética. Estes artigos não dão muita opção à liberdade individual, tal como ela é definida pelo mesmo texto e pelo de Direito canónico, que define obedecer ao Código Civil e aos outros Códigos que nos governam a vida ? artigos 1877 a 1917, com minúcia também.
Nada escapa à gestão da vida social para os teólogos que organizaram este, como outros, catecismos. É quando eu pergunto, porquê Françoise Dolto, essa terapeuta falecida recentemente, escolhe falar num dos seus livros, L? Évangile aux risque de la psychanalyse, Seuil, 1977, da parábola do Filho Pródigo que Lucas no capítulo XV do seu Evangelho, Versículo 11 a 32 reproduz como imitação de Jesus: o filho mais novo vai embora, pede ao seu pai a sua parte de bens, delapida-a, e volta a casa  pobre e mal ferido; o pai faz uma festa para o receber que, o irmão mais velho critica ao dizer que ele trabalhou e nunca desobedeceu nem fugiu e não é comemorado. O pai diz que o ama, mas que o filho que voltou, é a ovelha recuperada para o redil. De facto, Françoise Dolto analisa com cuidado as semelhanças entre o pai e o filho mais velho, o tempo largo gasto juntos, os objectivos de vida e trabalho serem semelhantes, e, por ser justo e verdadeiro, reconhece no filho que volta, a sua própria maneira de agir, de responsabilidade retomada e que o mais velho não tinha por causa de ser silencioso e subordinado, sem uma ponta de debate com o seu adulto. Dolto escolhe Lucas, Wojtila o João Paulo II e os seus teólogos, escolhem Mateus e Paulo de Tarso para falar de família, obediência, subordinação. Aliás, Wojtila define o bem como comum desde que todo seja feito como Barnabé diz na Epistola 4, parágrafo 1: ?no vivais isolados...como se já fosseis justificados;...reuni-vos para procurar em conjunto o que é de interesse comum?; ou na Encíclica Gaudium et spes de Paulo VI, dos anos 60 do Século XX: ?o direito de agir conforma a própria consciência, direito à salvaguarda da vida privada e à justa liberdade, mesmo em matéria religiosa?. Donde, um bem comum contraditório, como contraditória é a rejeição ao Socialismo e ao Capitalismo, Artigos 2425 a 2443, que desdenha formas económicas de mais valia, embora aprove a propriedade privada, manda aos ricos a assistir aos mais pobres, sem mandar repartir os recursos entre todos. Vida sexual? Até há pouco, o catecismo usado era o de Montini o Paulo VI, porque o de Wojtila admite o amor entre pessoas do mesmo sexo, apesar de definir que a intimidade sexual é para fazer filhos; não pune a masturbação que, durante Séculos, era o pecado mais confessado, e não condena o amancebamento, ou seja, viver em união sem o Sacramento do Matrimónio.
O quê entendem as crianças deste conjunto de contradições, sem contar com as carícias dos celibatários que lhes ensinam o que é mais conveniente para a vida do grupo social que habitam. Esta conveniência vê-se logo na comemoração de Fátima e o esquecimento da Imaculada Conceição, padroeira de Portugal, desde que a guerra da recuperação da Liberdade e Soberania Portuguesa, ganha em Vila Viçosa, história que poucos parecem conhecer, por Fátima ser um sentimento e a Imaculada, um facto. O meu maior medo é esse: o ensino da lógica de História, que denomino religião, por pessoas entregues a predefinições, dogmas de fé, ideias nunca provadas e ensinadas a crianças cujo dever, dizem os Romanos que nos governam, é a produtividade e o conhecimento para organizar empresas. Que o povo não ouve? Mas, meus senhores, porque levamos mais de duas semanas com uma Assembleia da República a debater o que se ensina e quem? Que sabem os senhores deputados, de esquerda e direita, dos textos usados em este artigo? Como consideram os que devem curar, entender, tratar, dar argumentos, a religião? Será como essa frase de Feürebach de 1842? Será entregar-se a mãos desconhecidas, mas milagreiras, que fazem das rochas, pão? Frase do criador da psicanálise, que Freud soube usar como Dolto e outros e recuperar essa fraternidade e igualdade prometida a todos nós desde o começo da nossa Era.
As crianças andam em péssimos lençóis se, pessoas como eu, ateias, não se interessam com as bases do pensamento cultural e abandonam o processo de ensino a hierarquias que a Concordata e os nossos poderes hierárquicos, mandam. Que não digo mais do sexo? Mas, não está ele dentro disto tudo, por acaso? Haja um Deus que nos proteja deste debates desinformados que a Assembleia usa para nos deixar nas mãos de uma teologia mais velha que o Concílio de Trento de 1542. Aos meus filhos, ensino eu: aprendam a pensar comigo e eu, com eles. É o que se devia discutir dentro dos poderes, antes de benzerem com a espada ou com a cruz.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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