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Centros de excelência e direito ao melhor ensino

Só uma elite que é a emanação de um ensino distribuído, com pólos de excelência por toda a parte, pode construir uma sociedade tendencialmente humanizada, equilibrada, justa e com um desenvolvimento sustentável?Não basta reivindicar pólos de excelência, nem sequer mais ensino para todos. O que é preciso é reivindicar um ensino distribuído, democrático e aberto?

?É preciso criar centros de excelência em Portugal?. Pois é, mas não há nada como uma afirmação deste tipo, que é absolutamente verdadeira, para iniciar um discurso segregacionista, que acabe por conduzir a uma estratégia de confronto e de alargamento do fosso entre riqueza e pobreza, entre privilegiados e excluídos.
As relações entre ensino e desenvolvimento são extremamente complexas porque dependem, em grande medida, da estratégia de desenvolvimento e do modelo económico e social em que se insere o ensino em causa. E, claro, dependem da própria definição de desenvolvimento que adoptemos.
Face a este cenário vasto, colocar-se-ão três questões que se entendem como centrais, para cada país, numa reflexão deste tipo:
- as relações entre os níveis de escolaridade e a capacidade de produção
- a importância do modelo de organização económica e social nos resultados
o modelo de organização adoptado no ensino.
No quadro de um determinado modelo de organização económica e social, há uma relação muito directa e rígida entre o nível de escolaridade e a capacidade de produção de um país. As evidências estatísticas são esmagadoras e demonstram que são mais produtivos os países com maiores níveis de escolaridade.
Mas isto só é verdade se compararmos países com modelos semelhantes. Na verdade, os países que se identificavam como seguindo um modelo de ?socialismo real? tinham dos mais elevados níveis de escolaridade mas a sua produtividade era, comparativamente com as dos países mais desenvolvidos economicamente, significativamente mais baixa.
Mas uma outra questão se levanta: que opções são tomadas para a estratégia de desenvolvimento? Portugal é um excelente exemplo de tudo o que não deve ser feito a este respeito, uma vez que em termos estratégicos se apostou em sectores de baixa qualificação de mão de obra (estradas, construção civil, etc.) e nos baixos custos do trabalho como principal vantagem competitiva.
E isto conduz-nos à questão central de saber que tipo de organização sustenta o ensino em cada país. Poderemos considerar, como ponto de partida para uma reflexão, 4 modelos tipo: a) Ensino centralizado elitista, b) Ensino centralizado burocrático, c) Ensino distribuído burocrático ou paternalista e d) Ensino distribuído, democrático e aberto.
O Ensino centralizado elitista é típico das sociedades neoliberais. Parece um ensino distribuído mas não é, porque é extremamente segmentado em função das classes sociais. A privatização e as propinas tendem a fazer diminuir a importância do ensino público e a estratificar o ensino e assim, cada vez mais, só os que tiverem dinheiro terão acesso ao ensino de alta qualidade. Há mais estratificação, mais elites, pólos localizados de excelência, inovação e competitividade em sectores importantes. Mas deixa-se a generalidade das pessoas mais longe da riqueza que elas próprias criam, o que produz maiores antagonismos, maior polarização, maior infelicidade para cada vez mais gente.
Temos depois o ensino centralizado burocrático, típico das sociedades ditatoriais ?clássicas?, de que Portugal, no fascismo, é um bom exemplo. Trata-se de um ensino que não pode ser aberto, designadamente no que diz respeito às ciências humanas, que produz estagnação total e distorções enormes, muito difíceis de resolver, como a que se verifica no nosso país em que os quadros são poucos e mesmo assim estão desempregados.
Em terceiro lugar temos um ensino distribuído, mas burocrático ou paternalista. É o ensino típico das sociedades do chamado ?socialismo real?. É distribuído, porque dirigido a toda a sociedade, mas não é aberto. Assenta numa organização política, económica e social muito fechada, que não permite transportar para a produção, com a rapidez necessária, as conquistas do conhecimento, o que acaba por degradar progressivamente o ensino, por falta de estímulo. Quando as coisas eram mais lentas, quando a capacidade de um país se media pela sua produção de aço, de construção, etc., quando uma fábrica a deitar fumo era sinal de progresso e não de poluição, não se notavam tanto estes problemas. Mas a aceleração do desenvolvimento veio pôr a nu as suas enormes fragilidades.
Finalmente termos um ensino distribuído, democrático e aberto. É o ensino da sociedade democrática porque temos que lutar, onde as elites são formadas por ?emanação?, o que cimenta a unidade, vivifica a sociedade e reduz as suas tensões.
Uma elite centrada em pólos de excelência centralizados, como acontece nas sociedade de modelo neoliberal, o mais que pode fazer é ?derramar? sobre o povo o seu saber e os seus ?produtos?. Mas como o povo não está preparado para os receber desencadeiam-se mecanismos de ?fabricação de consentimento?, mais tensão, maior imposição não democrática de modelos, mais infelicidade.
Só uma elite que é a emanação de um ensino distribuído, com pólos de excelência por toda a parte, pode construir uma sociedade tendencialmente humanizada, equilibrada, justa e com um desenvolvimento sustentável. Por isso, não basta reivindicar pólos de excelência, nem sequer o direito ao ensino e a mais ensino para todos. O que é preciso é reivindicar um ensino distribuído, democrático e aberto, e também o direito, para todos, ao melhor ensino que a sociedade tem para oferecer.


  
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Agostinho Santos Silva
Engenheiro. CTT.
Agostinho Santos Silva
Engenheiro. CTT.

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