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Provas aferidas : avaliar para quê ?

Qual o sentido das provas aferidas ? Porque surgiram nas nossas escolas ? De que tipo de avaliação se trata ? Eis perguntas que vêm a propósito de uma das muitas confusões  que marcam a vida educativa actual.

As provas aferidas surgiram no nosso país como um elemento de regulação da acção das escolas, cada vez mais autónomas e responsáveis pelos seus projectos educativos. Surgiram porque, no quadro da reorganização curricular (dec.lei 6/2001) se construía a diversidade, porque se entendia que as escolas deviam trabalhar com flexibilidade e com margens de liberdade claras e assumidas.
Com efeito, a análise dos resultados obtidos pelos alunos nos nove anos de escolaridade básica e obrigatória,  marcados por taxas de abandono e por aprendizagens muito débeis para um  elevado número de alunos, levou a que se interrogasse a uniformidade de curriculos prescriptivos  que pretendiam que todas as escolas ensinassem todos os alunos da mesma maneira . Tal análise crítica  levou à elaboração participada de propostas curriculares com uma lógica distinta, uma lógica da « escola do futuro » que hoje se debate nos foruns internationais, tais como o Bureau International de l?Education (UNESCO) e o CERI (Centre pour la Recherche et l?Innovation)  da OCDE.
A escola não encontra, nas respostas do passado, num ensino expositivo rigidamente disciplinar, as respostas para os problemas de hoje, num mundo de novas linguagens, em que a informação está disponível em suportes poderosos, tais como a TV e a internet, e em que o conhecimento não se constroe apenas no tempo escolar, antes constitui um desafio para toda a vida.
Construida a reorganização curricular, de modo progressivo , tornava-se imperioso assegurar a todas as escolas do país dados de referência , de
aferição sobre o seu trabalho com os alunos. Agindo com mais liberdade e inteligência, era fundamental que cada escola pudesse, para além da análise local dos seus resultados, compará-los com as outras escolas, de modo a que a liberdade de acção não acentuasse desigualdades, antes constituisse um caminho para mais qualidade de aprendizagem para todos. O mesmo acontece noutros países ; quanto maior é a diversidade de acção, mais imperiosa se torna « a aferição » dos resultados e a produção de modos de avaliação que possam regular a acção docente.
Criaram-se, com este propósito,  as provas aferidas no 1º, 2º e 3º ciclos
cujo objectivo  central era o de fornecer, todos os anos, a todas as escolas, os resultados obtidos pelos seus alunos.
Tais resultados eram apresentados detalhando as competências específicas que os exercícios da prova envolviam, de modo a que professores, pais e técnicos pudessem reflectir sobre os métodos utilizados, as situações de aprendizagem privilegiadas, sobre os pontos fortes e fracos do seu trabalho.
O objectivo destas provas era  o de chegar às escolas em tempo útil para que se pudessem rever os modos de trabalho e melhorar as aprendizagens.
E foi o que aconteceu nos primeiros anos. Com tranquilidade, as escolas foram aprendendo a « ler » e a « analisar » os resultados das provas aferidas como um elemento para trabalharem melhor. Era uma responsabilidade que o governo assumia no apoio à acção educativa das escolas.
No último governo PS, decidiu-se fazer as provas « por amostra », perdendo-se desde logo o seu objectivo pedagógico  mais importante. As escolas que ficaram de fora não tiveram dados para reflectir sobre o seu trabalho.
Com o governo PSD/PP, deixámos todos, inclusive as escolas, de conhecer os resultados das provas aferidas. E ficámos a saber, dois anos depois, que estas só têm sentido se permitirem a comparação global entre vários anos seguidos e que serão outra vez realizadas a todos os alunos mas agora para « treinar » futuros exames do 9º ano. Como é possível tanta ignorância ?
É verdade que a reorganização curricular do ensino básico deixou de ter apoio , que o estudo acompanhado e área de projecto foram condenadas e que o actual governo acredita que serão as soluções de ontem a resolver os problemas de hoje.
Por isso, no triste espírito do tempo nacional, as provas aferidas tornaram-se, infelizmente,  em mais um elemento que só serve para criticar indiscriminadamente  as escolas e os seus resultados, para as comparar de modo abusivo, para alimentar a impotência e a descrença, para insultar o trabalho de muitos professores. Tornaram-se numa inutilidade pedagógica.  Tornaram-se numa arma de arremesso entre partidos, tornaram-se em mais um « caso » que ocupa as páginas dos jornáis. E as escolas ? E o trabalho concreto dos professores e dos alunos ? Será que essas realidades tão comezinhas ainda interessam alguém ??


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.
Ana Benavente
Deputada do Partido Socialista. Professora.

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