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Escola e Família, sentidos de uma parceria necessária

Qualquer proposta que vise reforçar a ligação entre o universo escolar e a realidade familiar deverá ser pensada no contexto de uma organização que vive, pensa, decide, planifica e interage, como verdadeira comunidade educativa.

O termo ?parceria? remete-nos para uma das noções nucleares do mapa conceptual da cidade educadora, referindo-se aos modos de operacionalizar a partilha possível de ideias, de conhecimentos e de competências. A existência de redes de colaboração ? de parcerias ? justifica-se a partir dos projectos que as suportam. Desligada de uma ambição estratégica, a parceria fica reduzida a uma utilidade meramente instrumental, confundida com a simples gestão de recursos ou confinada a uma colaboração circunstancial e efémera. Perde-se aqui, não só o capital de experiência que alimenta uma cultura de trabalho marcada pelos valores da cooperação e do respeito mútuo, mas também a eficácia de uma acção concertada e mobilizadora.
Neste sentido, qualquer proposta que vise reforçar a ligação entre o universo escolar e a realidade familiar deverá ser pensada no contexto de uma organização que vive, pensa, decide, planifica e interage, como verdadeira comunidade educativa. Perspectivando este desafio do lado da organização escola, o esforço em causa não passa, apenas, por ?chamar? ou ?envolver? os encarregados de educação mas por assumir, inteiramente, uma lógica de trabalho conjunto, alicerçada no princípio da corresponsabilização. Dando assim seguimento ao que, afinal de contas, tem acontecido em múltiplas experiências que, pela sua autenticidade e carácter transformador, merecem divulgação e incentivo. Poderíamos começar justamente por aqui, por tentar alargar as oportunidades de conhecimento sobre o que vai sendo feito, dentro e fora do país. Tanto mais que, para que possa converter-se em sabedoria prática, geradora de mudança e de cultura, toda a experiência precisa ser pensada e reflectida ? partilhada.
Enquanto espaço de relação e de comunicação, o trabalho em parceria não está isento de perigos e, sobretudo, de conflitualidade. Tem razão a escola quando se insurge com a intromissão em esferas de autoridade profissional ou quando se ofende com a falta de reconhecimento e, nalguns casos, com a alienação de responsabilidade parental. Têm também razão as famílias quando reclamam espaços de participação ou quando protestam em casos de falta de escuta e cuidado. A um nível estritamente pessoal, convivendo diariamente no duplo estatuto de professora e de mãe, confesso que este tem sido um conflito por vezes dilacerante, causador de muitas inquietações e dúvidas. Também por esse motivo, acredito que é no encontro entre razões ? plurais, diversas e tantas vezes divergentes ? que nascem os pequenos (grandes) projectos que, em termos de itinerário de aprendizagem, nos permitirão assegurar o trânsito feliz entre os diferentes contextos, família, escola, grupo de amigos, clube desportivo, associação cívica e cultural, etc. Sempre na consciência de que, como nos lembra Hannah Arendt, toda a acção que é interacção sofre a ameaça da imprevisibilidade. Julgo até que é nas margens de risco, nos limiares de incerteza, que poderemos encontrar os sentidos fecundantes de uma parceria cada vez mais necessária.
Cada qual com a sua função, escola e família só podem ser vistas como instituições cooperantes e não concorrentes. Próximas, mas separadas e, como tal, chamadas à interacção. Nenhuma pode, ou deve, tomar o lugar da outra. A conjugação de esforços justifica-se numa lógica de encontro e de diálogo alicerçada numa responsabilidade comum ? a promoção das condições de desenvolvimento de cada uma das pessoas, crianças, jovens e adultos de todas as idades. Porque, pensados numa lógica de aprendizagem ao longo da vida, os espaços de educação e de formação devem alargar-se a todos os indivíduos, seja qual for a etapa da vida em que se encontrem. Situa-se aqui, precisamente, um dos grandes reptos lançados à escola do século XXI.
No quadro de uma pedagogia de perfil humanista, centrada no sujeito e no seu direito de aprender, a aceitação do pressuposto de que cada aluno é protagonista de uma história e de um projecto fundamenta, só por si, o sentido da aproximação ao seu universo de enraizamento, à sua família e à sua cultura. Todavia, este movimento de aproximação terá que inscrever-se em dinâmicas sócio-educativas de âmbito mais vasto, em conformidade, portanto, com o ideal da cidade educadora. Uma das verdades do nosso tempo diz-nos que os laços comunitários que sustentam as diferentes práticas de cidadania não são tão naturais como pensávamos, mas sim construídos. São laços humanos e, nessa condição, frágeis e carentes de vigilância permanente. Façamos, pois, da parceria ente escola e família um dos núcleos fortes da rede de entrelaçamento social desejada.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 132
Ano 13, Março 2004

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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