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Simulações e simulacros no debate sobre Ensino Profissional

Estamos quase na singular situação, em que se tenta provar uma hipótese de investigação ao inverso, isto é, deturpando a realidade para salvar a teoria.

As discussões levadas a cabo, em diferentes países, sobre o ensino profissional têm conseguido a proeza de produzir um conjunto de discursos que acreditam os seus estatutos num conjunto de pressupostos desacreditados. Estaríamos, assim, quase que na singular situação em que se tenta provar uma hipótese de investigação ao inverso, isto é, deturpando a realidade para salvar a teoria. Seria bom que, na conjuntura actual, se começasse a debater o ensino profissional dedicando-se maior atenção à dimensão do quadro lhe fornece forma.
Com um arrazoado pseudo-erudito, quotidianamente ?conselheiros mediáticos?, sempre de modo muito didáctico, chamam a sociedade à responsabilidade, realçando a necessidade de se chancelar unanimidades em torno do ensino profissional como forma de se assegurar prosperidade no futuro, um futuro contudo que, mais do que uma temporalidade para além do presente, é um tempo incerto, é um tempo que, a considerar o desde quando tais apelos vêem sendo feitos, nunca chega.   Tem sido esta a ladainha, vamos lá, desde que os efeitos da crise sistémica - em alguns países mais cedo, em outros mais tarde - decorrentes do estiolamento do Estado de Bem-Estar vieram a lume.
A constatação, já lá vai algum tempo, de que se tornou impossível levar à adiante o modelo de desenvolvimento capitalista adoptado no pós-Segunda Guerra Mundial, trouxe à mesa de discussões todo um rosário de novas e velhas lamúrias. Cotejando-se o que é com o que se quer, aí vão surgindo as receitas. Para todos os gostos. Todavia, o que ninguém quase jamais se pergunta é sobre se numa ordem sistémica que, de per si, se funda na desigualdade (ou se se quiser, na exclusão) entre as partes pactuantes, não chega a ser até ?natural? que o seu funcionamento, de tempos em tempos, se veja atravessado por impasses de gestão interna. Com as coisas se passando dessa maneira, o ensino profissional é então apresentado como uma espécie de Abre-te Sésamo. ?Mecanismo medicinal? para o desenvolvimento, auto-estrada para um futuro nacional de prosperidade. E melhor ainda quando se realizam reformas laborais.
De tal raciocínio, temos dois dos pressupostos desacreditados que paradoxalmente acreditam os discursos salvacionistas sobre o ensino profissional. O primeiro consubstancia-se no facto destes realizarem uma inversão de ponto de partida para apreender os impasses sistémicos da ordem político-económica contemporânea. O segundo resulta da compreensão de que o ensino profissional, ao fim e ao cabo - a julgar pela forma como ele tem sido  realçado -, teria potencialidades que o nivelariam hierarquicamente ao patamar da esfera de decisão política. 
Sabendo-se que um dos atributos da força dos argumentos é superar a pretensa força de supostas argumentações que não se delineiam como momentos-síntese de construção do concreto-pensado, quer dizer, de expressão (re)construída no plano da abstracção daquilo que emerge na materialidade imediata, há que se destacar que uma das principais tarefas de um ponto de vista (auto)reflexivamente crítico, no debate sobre o ensino profissional, é pôr em evidência as motivações políticas que estão ocultas a ele e que ditam a sua agenda cognitiva. Afinal, tanto o conhecimento é ?sua história? como a História só se deixa apreender por meio dos conceitos que a organizam.
Decerto, assim, estaremos num caminho metodológico pertinente para nos situarmos perante o processo social, tendo em conta que este emite os sinais que, sob a forma de ?ideologia?, indicam os contornos entre as coisas, mas que para conhecê-lo se faz necessário produzir conceitos e categorias que lhe traduzam criativamente. Eis a via a ser seguida para que sejam desconstruídas as abordagens que, ocultando os seus propósitos políticos, intervêm no debate sobre o ensino profissional engendrando  simulações e simulacros.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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