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O projecto Educativo e as novas lógicas escolares

SINAIS DOS TEMPOS

As transformações em curso no interior do mundo escolar, especialmente no que respeita ao sector secundário, passam em grande medida pelos reflexos sociais e institucionais a que a vida escolar dos jovens é sujeita por força das medidas políticas adoptadas.

Ninguém ignora que, nos nossos dias, a vida escolar dos jovens é decididamente condicionada pelo jogo contraditório de duas lógicas opostas: a da escola, enquanto estrutura institucional, sujeita a vectores político-administrativos tendencialmente universalizantes e a da heterogeneidade social, cada vez mais presente e mais afirmativa no espaço escolar através de novas fileiras sociais que só agora chegam à escola  secundária. A forma como as medidas políticas têm tentado responder a esta contradição passa por consagrar o princípio do projecto educativo como a base da organização da vida escolar do aluno, o que quer dizer que, doravante, passaria a competir ao aluno e às respectivas famílias decidir do seu futuro escolar.
Ora, essa exigência supõe da parte do aluno e das famílias uma relação de subjectivação com o mundo e com a realidade social, que exige, por sua vez, um suporte  cultural, social e patrimonial capaz de dar sentido à vida, encarada como projecto e já não como destino. Ou seja, a lógica do projecto não se desenvolve no vazio.
Nestes termos, quanto mais se pede às famílias e aos alunos que decidam e se responsabilizem pelo seu processo escolar, mais as desigualdades se agravariam: - por um lado, porque a instituição escolar é subvertida em favor de uma relação clientelar, onde o valor de troca se sobrepõe ao valor de uso e, por outro, porque promovendo, afinal, a desinstitucionalização da escola, favorece-se o processo de desafiliação num espaço comum de justiça e incentiva-se a prática descontrolada da conflitualidade interna. Desta forma, levar-se-ia até às últimas consequências a construção do ?indivíduo moderno?, entendido como entidade singular e autónoma, para a qual a noção de mérito individual, como objecto de avaliação, se tem como essencial. Desertifica-se o espaço social de pertença e densifica-se o espaço comercial de concorrência.
Em face desta cultura escolar reforçada no sentido da responsabilização individual, ?muitos dos novos estudantes do secundário encontram-se numa lógica de ?encaminhamento`, talvez até de sobrevivência, mas não de compromisso nem de transformação de si?, como diria P. Rayou, aqui referido já algumas vezes. Segundo o autor, isso resultaria tanto do facto de ?os novos estudantes? não acreditarem na obtenção de uma situação profissional correspondente ao esforço suposto no programa escolar que se lhes exige, como da própria natureza dos saberes escolares que hoje  se lhes propõe. Esses saberes, típicos das ?sociedades abertas?, primam pela flexibilidade e pela aura da metacognição como saber distintivo e, por isso, são muito pouco adaptados a tarefas precisas e, simetricamente,  mais empenhados em adaptar os próprios alunos e formandos às situações imprecisas.
Nestes termos, segundo o autor que vimos seguindo (Ib.), ?os alunos já não são avaliados somente pelos seus conhecimentos, mas pelas suas capacidades para os transformar, descontextualizar, transferir?. Estas orientações penalizam sobretudo os ?novos alunos?, menos aptos  a lidar com as novas competências  que supõem um grau mais elevado de formalização e de independência contextual.
O ?métier? dos novos alunos, enquanto modo de existência escolar dominante, tende então a deixar-se definir por um conjunto de características que acentuam mais o sentido da protecção mútua do que o sentido da participação na vida colectiva da instituição, como desejaria a maioria das disposições legislativas dos últimos anos. Essa protecção mútua, associada à necessidade de reconhecimento, pode revestir-se de várias formas no interior da vida escolar: a formação de grupos fechados e homogéneos, a ?privatização? de territórios autónomos no espaço da escola como afirmação de poder ?étnico?, a marcação simbólica de certas zonas da escola em favor de uma maior intimidade grupal,  o ?sentimento de traição linguística e cultural? que pesaria sobre certos jovens das classes populares quando a situação de aprendizagem os confronta com a necessidade  de abandonarem  os ?falares? de origem ...
Não se trata, obviamente, de  situações  novas, mas a sua expressão quase orgânica e tendencialmente inscrita nas lógicas escolares em curso, que visam o seu contrário, dá que pensar...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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