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Precisamos de uma política de canguru e não de caranguejo

GESTÃO DAS ESCOLAS

Dados de 2002 mostram que 79,4% da população portuguesa possui habilitações inferiores ou iguais ao ensino básico (a média da UE é = a 35,4%). Em Portugal apenas 11,3% da população possui o ensino secundário (média da UE = a 42,9%) e 9,4% possui o ensino superior (a média da UE é = a 21,8%). Cá, o abandono escolar atingiu, em 2002, 45,5% dos alunos (na UE 18,8%). A escolaridade média dos "empresários" portugueses é inferior à dos trabalhadores!
O fosso já existente na formação inicial, alarga-se agora com as políticas de formação dos activos. Na UE, em média, 8,5% dos trabalhadores estão em processo de formação, enquanto que em Portugal essa média caiu para 2,9%! A política do PSD/PP não pára de alargar o fosso que nos separa da UE.

Ao comparar o nível de formação e educação do povo português com o dos povos dos 25 países que constituirão a União Europeia (UE), não posso deixar de ficar preocupado e chocado. O nosso atraso é de tal ordem que precisamos do que designo por política do canguru. Isto é, para nos aproximar-mos da média europeia, não podemos limitar-nos a andar ou mesmo a correr, temos de dar saltos epistemológicos. É que eles não estão parados, continuam a andar e a correr.
Estudando o que fracassou noutros países, temos de dar saltos que evitem perdas de tempo, de energia e de meios. Temos de saber evitar políticas já testadas e que sabemos condenadas ao insucesso. Mas não é isso que está a acontecer com o Governo do PSD/PP. Pelo contrário. Não praticam nem a política do passo a passo quanto mais a do canguru. O que este Governo nos oferece é uma política do caranguejo, isto é, em vez de saltar em frente, andamos para trás. Os resultados desta política podem ser observados nos dados estatísticos que vão estando disponíveis e são bem visíveis em todas as medidas erráticas tomadas pelo Governo e sobretudo nos esforços para parar o que estava em andamento.
Esta política do caranguejo está patente nas medidas propostas para a gestão das escolas. O ministro Justino está a importar e a copiar, com 20 anos de atraso, e com preconceitos ideológicos acrescidos, o chamado gerencialismo na educação. Uma política experimentada e falhada noutros países. Imitar o erro, acrescentar-lhe preconceitos ideológicos reaccionários, é a nossa sina. É desta imitação que vem a ideia peregrina de empresariar as nossas escolas. Agora importam a brilhante ideia dos «gestores profissionais». Mais tarde importarão a ideia de colocar a dirigir as escolas, militares da reserva que tentem por ordem na desordem e violência que entretanto criaram. Se foi este o percurso na América porque não repeti-lo aqui? O nosso destino não é copiar os erros e as trapalhadas dos outros?
Associado a outras medidas (liberdade de escolha da escola, reforço dos exames, indiferenciação entre público e privado, competitividade entre escolas, publicação de rankings) o «gestor empresarial» faz-nos regressar a políticas populares, em alguns países europeus e nos EUA, nos anos 80. Medidas que, entretanto, foram por muitos abandonadas, ou remendadas, dada a sua perversidade.
Esta insistência na importância do «gestor empresarial», deriva da ideia simplória de que os problemas que a escola pública apresenta são, grosso modo, problemas de gestão.
Os defensores deste tipo de gestão estão convencidos que todos os problemas se resolvem se as escolas forem dirigidas com pulso de ferro por um gestor que tenha como referência a eficácia e eficiência que miticamente atribuem à gestão empresarial privada.
Entretanto a escola portuguesa continua fortemente centralizada. A 5 de Outubro e os seus tentáculos regionais ? as Direcções Regionais de Educação (DRE) ? dominam tudo. Dos programas e currículos ao vidro que se parte e que é necessário recolocar, passando pelo rolo de papel higiénico, tudo tem de passar e emanar da cabeça do polvo. Neste quadro centralizado, o futuro «gestor empresarial», não será mais do que a ventosa que fixa o polvo à escola.
Para os gerencialistas a autonomia é uma simples transferência de algumas competências técnicas, responsabilidades e encargos do Estado para a escola. É o contrário da concepção de autonomia que defende, para as escolas e comunidades educativas, o direito de construir e de por em prática políticas educativas centradas nas escolas e nos alunos que as frequentam.
Como alguns sublinham, desde o 25 de Abril que a verdadeira direcção das escolas se encontra fora delas. Desde o 25 de Abril que nos falta gestão democrática. No modelo ainda em vigor, a direcção efectiva das escolas está na 5 de Outubro e nas DRE. Tem sido este centralismo a impedir que cada escola assuma a construção e a direcção das políticas educativas e de gestão que lhe são mais convenientes. No entanto, foi à custa dos órgãos internos, eleitos nas escolas, que foi possível fazê-las sobreviver e ultrapassar todos os obstáculos inerentes à explosão escolar que abalou a escola portuguesa nas décadas de setenta e oitenta. Existe, pois, um capital de experiência e uma tradição que poderia abrir portas a um verdadeiro processo de desenvolvimento da autonomia das escolas. È esse o caminho que o actual Governo se nega a seguir. Essa, é mais uma oportunidade que estamos a perder.
Nunca é demais sublinhar que o problema das escolas portuguesas, não é a falta de «gestores profissionais». Menos ainda de uma gestão fabril, comercial ou de feira. O problema é a falta de autonomia e de democracia representativa e participada. O problema maior, é o de faltar às escolas o poder de se governarem democraticamente. É o de faltar autonomia e poder efectivo às comunidades educativas.
Os problemas das escolas também se resolvem pela consagração de uma autonomia efectiva, pelo aprofundamento da democracia e pela participação democrática de todos os interessados na coisa educativa, e não pela manutenção do sistema burocrático centralizado, e pela introdução nas escolas de um corpo estranho, um comissário político, com a finalidade de as controlar.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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