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Belmiro Cabrito, especialista em Economia da Educação: "É evidente que o corte orçamental irá afectar o desempenho das escolas, dos professores e dos alunos."

Para compreender melhor as implicações da redução do Orçamento de Estado para a Educação em 2004 entrevistamos, neste dossier, Belmiro Gil Cabrito, especialista em Economia da Educação e, desde 1989, docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, onde lecciona as disciplinas de Economia da Educação e de Organização e Animação da Formação de Adultos. Nesta curta entrevista passamos em revista algumas das principais implicações que poderão decorrer deste anunciado desinvestimento. 

Em relação a 2003, o Orçamento de Estado para a Educação sofre um corte de 4.2%, o segundo maior nos ministérios e o mais redutor dos últimos dez anos, que irá previsivelmente afectar substancialmente diversas áreas da educação. Quando os meios financeiros postos à disposição das escolas estão abaixo dos limite, que consequências poderão advir para a qualidade do ensino?

Infelizmente, parece óbvio que a educação não é uma prioridade para este governo. Só assim se explica um conjunto de decisões ou de anseios que por ele têm vindo a ser expressos. Obviamente que a questão da qualidade de ensino aceita, ela própria, um debate alargado, pois constitui um "valor" não consensual seja no seu significado seja na forma de a medir. De qualquer forma, e na presunção de  que estamos todos a falar da mesma coisa, é evidente que o corte orçamental irá afectar o desempenho das escolas, dos professores e dos alunos.
Afinal, quando os orçamentos se encontram no nível do mínimo possível ou até já são deficitários, qualquer quebra tem reflexos multiplicados. Na verdade, não poderemos pensar em qualidade em escolas onde os alunos não possuem laboratórios ou ginásios. Ou, mais simples ainda, escolas onde não existe aquecimento e os alunos gelam na verdadeira acepção da palavra. Ou escolas cujos alunos são forçados a levantar-se horas antes do necessário para poderem deslocar-se até elas, em virtude do encerramento da escola próxima em nome de valores como a eficiência e a rentabilidade, valores importados do pior que a economia nos oferece.

Será esta política de desinvestimento um caminho aberto para a privatização do sector educativo em Portugal (de que os rankings de escolas foram um primeiro e significativo passo)?

Creio que a privatização do sector é já um dado adquirido, e, no caso do ensino superior, desde o dia em que se abriu este segmento educativo à iniciativa privada. Na prática, o que acontece não é mais do que aquilo que já se verifica noutros sectores de prestação de serviços de natureza pública, como os serviços de saúde ou a segurança social Tudo isto são processos que pretendem lançar sobre os indivíduos o ónus do financiamento de serviços até há muito pouco tempo prestados gratuitamente pelo Estado.
É óbvio que a desresponsabilização do Estado relativamente à educação irá conduzir a situações impossíveis de descrever mas que se irão caracterizar por uma tal exiguidade de recursos que as escolas dificilmente poderão fazer um bom trabalho. Nestas circunstâncias é natural que os pais olhem para as escolas que mais oferecem as quais são, obviamente, as escolas privadas onde os alunos pagam mensalidades às quais a generalidade das famílias portuguesas não consegue chegar.
Desta forma, não só é previsível um processo de privatização como, para agravar a situação, a segmentação da oferta. Escolas haverá em que as condições financeiras implicarão um tal desempenho que os indivíduos mais endinheirados não porão lá os seus filhos; pelo contrário, outras existirão, mais baratas, para onde "vai tudo do pior", passe a expressão. Aliás este processo de reprodução de desigualdades sociais em virtude de processos próximos de mercado, os "quase-mercados", já mostrou bem todo o seu pendor discriminatório e criador de desigualdades em Inglaterra.
Para pegar na sua pergunta, é evidente que os "rankings" das escolas mais não são do que processos de avivar situações de desigualdade, uma vez que escolas com rankings diferentes irão atrair públicos diferentes e específicos, contribuindo para um verdadeiro processo de segmentação social que se caracterizará por menores níveis de equidade do nosso sistema educativo.

Apesar do crescimento previsto de 7,2% na dotação orçamental para o ministério da Ciência e do Ensino Superior, serão retirados às universidades e politécnicos mais de 20 milhões de euros, decréscimo que o governo sustenta com a inflação das receitas próprias das instituições, provenientes, nomeadamente, do aumento das propinas. Partindo destes números, como irá ser o ano de 2004 para as instituições de ensino superior?

Péssimo, para não dizer pior. Com este montante de receitas transferidas, dificilmente as instituições de ensino superior podem melhorar o seu desempenho, mesmo com o recurso às propinas. Pela minha parte posso afirmar que na minha faculdade as propinas constituirão uma fonte de receitas destinada a garantir que a escola proporcione aos estudantes um ensino de qualidade semelhante à que oferecia em 2001. Não é para a aquisição de novos equipamentos, para a criação de novas ofertas, para laboratórios, numa palavra, para criar melhores condições de trabalho de alunos e docentes de forma a melhorar a qualidade da oferta educativa. Não, este aumento é apenas para manutenção do já existente.
E o mais incrível é o Estado, ele próprio, não obedecer ao que ele próprio decide. Cria regras, faz cálculos, decide os valores mínimos e depois dá menos e diz: "agora arranjem-se, têm as propinas". Isto não é maneira de agir quando se está de boa-fé e entre gente de bem. Isto obriga as instituições a exigirem um maior montante monetário aos alunos sem que tenha sido criados os mecanismos de compensação indispensáveis à sobrevivência dos estudantes.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Belmiro Cabrito
Especialista em Economia da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Belmiro Cabrito
Especialista em Economia da Educação

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