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A Lei Orgânica da Qualidade da Educação e o esquecimento da Educação Cívica

NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS ESTABELECEU-SE UM NOTÁVEL CONSENSO SOBRE O QUE DEVERIA INTEGRAR O CURRÍCULO ESCOLAR. PASSÁMOS A VER AS INSTITUIÇÕES ESCOLARES A ENFRENTAR, DIARIAMENTE, NOVAS EXIGÊNCIAS DA SOCIEDADE.

As escolas são um dos locais nos quais a sociedade delega a tarefa de socialização das novas gerações; o que significa ajudá-las a compreender condutas, modalidades de inter-relacionamento, formas de trabalho, estratégias de argumentação, os juízos e valores que explicam o modo de ser das pessoas que integram a sociedade à qual pertencem os alunos, assim como as de outras comunidades diferentes.
Este processo tem de servir, por sua vez, para desenvolver toda uma série de competências e valores que lhes permitam incluir-se activamente como cidadãos e cidadãs na sociedade de uma maneira reflexiva e crítica. Uma missão tão importante implica, entre outras coisas, dar atenção aos conteúdos culturais que se seleccionam para cumprir tais objectivos.
Há vários anos que as análises sobre o currículo oculto e explícito vêm pondo a nu os enormes desvios nas valorizações que a instituição escolar promove sobre os diferentes modelos de vida e produtos culturais mais relevantes gerados pela sociedade, acerca do mais valioso da herança cultural.
Analisando a selecção cultural que a administração impõe como conteúdos obrigatórios aos estabelecimentos de ensino, é fácil verificar que determinados grupos sociais se saem melhor do que outros, que são os instrumentos culturais, tecnológicos e científicos produzidos pelos grupos mais elitistas os que se consideram mais importantes. São as posições de poder e privilégio detidos por determinados colectivos sociais o que costuma explicar muitos dos conteúdos culturais seleccionados que constituem foco de atenção obrigatória nas aulas.
Todavia, nas últimas duas décadas, estabeleceu-se um notável consenso social acerca de determinadas tarefas e conteúdos que deveriam integrar o currículo escolar. Vimos como as instituições escolares enfrentavam diariamente novas exigências da sociedade. Além de exigir-lhes o aumento do nível cultural das novas gerações, pediu-se-lhes que fomentassem o desporto, hábitos pessoais saudáveis, educação para o tempo livre, para a alimentação saudável e insistiu-se mais na inculcação de comportamentos cívicos, ...  As designações das matérias transversais são um bom exemplo desta nova amplitude do significado e das missões da instituição escolar: educação para a saúde e qualidade de vida, educação moral e cívica, educação sexual, educação ambiental, educação para a paz, educação do consumidor, educação para a igualdade de oportunidades entre os sexos, educação para o lazer, educação rodoviária.
Porém, em Espanha, com a promulgação por parte do Partido Popular da Lei Orgânica da Qualidade da Educação (LOCE), o retrocesso é visível. Assim, por exemplo, uma das ausências preocupantes no currículo proposto pela Administração (outra coisa é o que as escolas realmente façam) é o abandono do que vem sendo denominado por "Educação cívica ou para a Cidadania". Algo que obrigaria os alunos a confrontar-se com temas considerados imprescindíveis para o exercício dos seus deveres e direitos como cidadãos e cidadãs. Temas, entre outros, como a justiça social, o desenvolvimento sustentável, a interdependência e globalização, os direitos humanos e as responsabilidades sociais, que permitiriam aos alunos analisar valores e atitudes, ajudando-os a questionar e a explorar as suas próprias concepções do mundo e as que se revelam mais dominantes na sua comunidade e em outras partes do mundo.
Poderiam, desta forma, ter em conta as interdependências que existem nos produtos com que se alimentam, vestem, informam e divertem, e as possibilidades de vida que têm os outros povos que, em alguns casos, fabricam esses produtos e, em outros, não têm possibilidade de aceder a eles.
É óbvio que estes blocos de conteúdos estão dispersos no currículo disciplinar, mas as queixas dos alunos sobre o abstracto e o irreal do que se propõe como matéria de estudo é uma boa prova de que é necessário organizar os conteúdos de outra forma, tornando-os mais palpáveis e ligados à realidade.


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Jurjo Torres Santomé
Universidade da Corunha, Galiza/Espanha
Jurjo Torres Santomé
Universidade da Corunha, Galiza/Espanha

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