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Ler a palavra, compreender o mundo: a função alfabetizadora da geografia

O ARTIGO PROCURA DISCUTIR O ENSINO DA GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS, A PARTIR DA SUA FUNÇÃO ALFABETIZADORA. REFLECTIR SOBRE TAL FUNÇÃO À LUZ DA OBRA DE PAULO FREIRE E DE MILTON SANTOS, TRADUZ UMA OPÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA QUE PROCURA REVELAR UMA ?PEDAGOGIA BRASILEIRA?, ?MESTIÇA? E ?INQUIETA?, COMPROMETIDA COM O POVO, COM O TERRITÓRIO E COM A NAÇÃO.

Articular alfabetização e geografia é reflectir sobre o homem, a natureza, a cultura a sociedade, é praticar uma «pedagogia da possibilidade», fundada numa epistemologia situada entre a teoria e a realidade .
Pensar o ensino de geografia nas séries iniciais, a partir de sua função alfabetizadora,  é resgatar o seu próprio objecto, o espaço, inserindo-o numa perspectiva teórica que articula a leitura da palavra à leitura do mundo. Tal abordagem nos possibilita pensar alfabetização e geografia, através de uma articulação teórica que aponte para uma construção epistemológica 
A geografia é um instrumento importante para a compreensão do mundo. Pensar o ensino de geografia a partir de sua função alfabetizadora, é articular a leitura do mundo a leitura da palavra, na perspectiva de uma política cultural,  que instrumentalize as crianças das classes populares, a saber pensar o espaço para nele se organizar na luta contra a opressão e a injustiça. Neste sentido, o conceito de alfabetização se amplia passando a traduzir as relações da criança  das classes populares com o mundo, mediada pela prática transformadora desse mundo.
Aprender a ler, a escrever é aprender a ler o mundo; compreender seu contexto, «localizar-se» no espaço social mais amplo, a partir da relação linguagem-realidade . O processo de alfabetização se realiza no movimento dinâmico entre palavra e mundo: a palavra dita flui do mundo carregada de significação existencial - palavramundo. Do ponto de vista da geografia podemos dizer que ler o mundo é ler o espaço: construção social e histórica da acção humana. Como instância da sociedade, o espaço é o objecto da geografia; disciplina que o analisa, o interpreta e o explica, como resultante da economia, da política e da cultura. Assim, ler o mundo é estudar a sociedade; é estudar o processo de humanização do homem a partir do «território usado».
Interpretar o mundo sob o ponto de vista geográfico, é entendê-lo como um mundo datado. O carácter histórico da geografia nos possibilita entender o espaço-mundo como «uma historia do presente». Santos nos lembra que o fenómeno técnico é um dado central do processo histórico; a história é uma sucessão de técnicas e sistemas de técnicas que são ao mesmo tempo conteúdo e continente da acção humana. Como conteúdo e continente da acção, a técnica possibilitou ao homem escrever a história sem escrever palavras: primeiro o homem escreveu o mundo, pela técnica e pela acção; depois falou o mundo transformando-o pela linguagem e  por  último, o homem  registrou o mundo nomeando-o .
Segundo Freire ler é acompanhar criticamente o movimento do texto para apreender seu significado mais profundo; ler o mundo é acompanhar o movimento do mundo aprendendo o seu sentido e sua significação: o mundo é o encontro das realidades históricas, que se materializam na sociedade humana  em diversas formas de acções e feições: o espaço e seu uso, o tempo e seu uso. 
Pensar a função alfabetizadora da geografia, é colocar no centro do debate pedagógico a lógica, como instrumento fundamental á leitura do mundo. A escola ensina a criança a pensar o mundo na perspectiva da lógica formal; o que do ponto de vista do processo ensino-aprendizagem, tem resultado num conhecimento ineficaz do mundo, impedindo a aquisição de novas posturas e a construção de respostas necessárias ao enfrentamento dos desafios que o quotidiano nos coloca. Trazer a lógica para o centro do debate, é evidenciar a necessidade de superar uma racionalidade operante, substituindo-a por um novo aprendizado: um aprendizado capaz  de promover uma leitura do mundo (e da palavra) fundamentada numa relação dialética-dialógica capaz de resgatar as contra-racionalidades, ou melhor, "racionalidades paralelas  que foram jogadas embaixo do tapete da história e recusadas nos estudos de nossas faculdades.
Ensinar geografia é possibilitar as condições necessárias para que a criança construa um novo modo de compreender, cientificamente, o mundo. A tarefa que hoje se coloca para a geografia é a de explicar o mundo, desvelando efeitos de verdade, redescobrindo significados, desnudando imagens e recuperando identidades.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Carmen Lúcia Vidal Pérez
Univ. Federeal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil
Carmen Lúcia Vidal Pérez
Univ. Federeal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil

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