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Os rankings das escolas ou a selva social

OS RESULTADOS DAS APRENDIZAGENS NÃO PODEM JAMAIS REDUZIR-SE AO MOMENTO RITUALIZADO DOS EXAMES. APRENDER COM SUCESSO SIGNIFICA BEM MAIS DO QUE TIRAR BOAS NOTAS.

Avaliar o desempenho das instituições de ensino é uma prática que se deve tornar rotina. Qualquer estabelecimento de ensino, de acordo com as políticas centrais da tutela mas, igualmente, levando em conta as margens de autonomia que possui, define objectivos, acciona recursos (físicos, humanos, financeiros) e espera determinados alcançar resultados. Quando os resultados não são atingidos urge reapreciar e repensar todo o processo seguido. No entanto, não se pense que este mecanismo é linear e simplista. No caso das escolas, implica a selecção de um grande conjunto de indicadores que vão muito para além dos resultados obtidos pelos alunos nos exames. Referiremos, apenas a título de exemplo, a relação pedagógica e o planeamento das aprendizagens, os instrumentos de apoio educativo, o ?clima? e ?ambiente? educativos, a qualidade do espaço escolar, a acção social e o apoio às famílias, as actividades experimentais e de pesquisa, a estabilidade do corpo docente, a interacção com o meio?Aliás, os resultados das aprendizagens não podem jamais resumir-se ao momento ritualizado dos exames. Aprender com sucesso significa bem mais do que tirar boas notas. Implica, por exemplo, a aquisição, por parte dos alunos, de competências sociais, cívicas e de cidadania. Podemos formar alunos com excelentes classificações mas que são, do ponto de vista social, exemplos acabados de egoísmo e agressividade social, para quem a vida é uma colecção de vitórias que implicam a eliminação social do adversário?
Acima de tudo, a participação dos múltiplos agentes educativos é um requisito fundamental de uma avaliação que se pretende integrada e que respeite a complexidade da realidade educativa. A avaliação é, antes de mais, uma forma de auto-conhecimento que permite às organizações detectar debilidades e corrigir obstáculos mas também potenciar qualidades. Reduzir toda a diversidade de indicadores a um só número ? as notas obtidas pelos alunos em exames finais ? é não só metodologicamente errado como socialmente injusto.
Por outro lado, importa contextualizar o conjunto de resultados obtidos ? que, volto a referir, não são passíveis de tradução num número que implique uma seriação ou hierarquia. Os territórios não são elementos neutros e interferem com a acção educativa ? positiva ou negativamente. As disparidades nas próprias classificações dos alunos associam-se intensamente aos recursos económicos, escolares e culturais dos pais, mas também à existência de determinados níveis de desenvolvimento local ? o que implica, por exemplo, estar ou não disponível uma biblioteca bem apetrechada, um sistema eficaz de acessibilidades e transportes, centros de emprego e de saúde, etc. Dir-me-ão que existem suficientes excepções para contrariar determinismos. Não o negarei. Há quem nasça pobre e num meio deprimido e que, no entanto, consiga contrariar a fatalidade de reproduzir a pobreza, desde logo, pelo insucesso escolar. Mas as probabilidades são distribuídas de uma forma socialmente desequilibrada e injusta.
Finalmente, a questão fulcral tem de ser colocada: a quem interessam os rankings? A quem interessa a selectividade social que tornam visível? A quem interessa a hierarquização tosca e torpe entre escolas de elite, escolas de meia-tigela e escolas rasca? A quem interessa a marca, o rótulo e o estigma que se colará a quem frequentou a pior das piores escolas e que o perseguirá por toda a vida, desde as relações sociais à entrada no mercado de trabalho? É por este caminho que corrigiremos deficiências e venceremos atrasos, de forma a obter uma rede escolar equilibrada?
Cada pergunta exige uma resposta. Os rankings são hoje um dos instrumentos privilegiados da nova direita e do ultraconservadorismo. Disfarçados de ?sensato? senso comum (?os melhores devem ser premiados?, etc.), contribuem, afinal, decisivamente, para a instauração da violência social como regra de funcionamento das sociedades contemporâneas e para as exigências de mercados altamente discriminatórios e selectivos. O modelo acabado da ?selva social?.


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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