Olhinhos azuis. «São da cor do céu?», completas tu, orgulhoso da comparação que te ensinaram a fazer. Mas sem saber ao certo o que é o céu. Sem saber por que é que os teus olhos são azuis e não cor-de-rosa, a cor de que tanto gostas.
Um dia vão-te ensinar que o céu é um composto de azoto, ozono, oxigénio e dióxido de carbono. Sim, é verdade! E tu vais acreditar, porque quando fores grande já não te vai contentar a explicação que a mãe te dá agora:
«O céu é onde mora o Jesus!»
Jesus, esse nome que a mãe dá ao lugar onde te diz que a avó está. Esse lugar de longas filas de pedras brancas por onde corres, para onde saltas? Enquanto vês a mãe, de joelhos, numa dessas pedras a lavar a avó e a pôr-lhe flores em cima. Um dia, talvez vejas nesse lugar as correrias dos teus filhos...
Meu menino lindo, vai levar menos tempo até que te digam que o cor-de-rosa é para as meninas e que te impinjam o azul. Nunca te deixarão ter uma mochila cor-de-rosa para levares para a escola. Veremos como te rirás de tudo isto, daqui a muitos, muitos anos, quando usares camisas e gravatas dessa cor.
Sorriso matreiro, a dizer «gosto de ti», para que te leve comigo ao café e te dê um gelado cor-de-rosa, o teu preferido... ainda não sabes que é de morango...
Será que vais deixar de gostar de mim quando descobrires que te menti? E que na portinha pequenina, feita na parede do corredor do nosso prédio, não mora nenhum gnomo, mas sim o contador da luz?
Sei que vai ser um choque para ti perceberes por que é que o teu patinho só fala quando eu estou por perto. E não deve demorar muito até que isso aconteça, sinto que já desconfias... mas quando verdadeiramente confirmares a tua suspeita, vou-te ensinar a falar pelo patinho, assim os dois vão poder conversar a sós e já não vão precisar de mim.
Bebezinho, esses olhinhos azuis que agora encantam os adultos, um dia vão encantar namoradas. Nesse dia vou-te contar que quando eras pequenino me beijavas os lábios e dizias satisfeito que eras o meu namorado. Vou ter um desgosto, semelhante ao que tu tiveste quando o mano velho levou a casa a sua primeira namorada. Aquela de quem tens ciúmes porque a vês beijar o teu mano e a quem te recusas dar um único beijinho?
Quando tiveres a tua namorada eu já terei envelhecido, não muito, mas alguma coisa... e vou ver incrédula o quanto cresceste... Então vou-me deliciar e contar vezes sem conta as asneiras que fazias, quando ainda te chamava, com razão, bebezinho...
Felizmente, ainda faltam muitos anos da tua vida que não tenciono perder... e não vale a pena pensar no que ainda não há-de vir para breve, não agora que te tenho aqui ao meu colo a querer dormir... o patinho de borracha já dorme, digo-te eu...
«De olhos abertos?», perguntas tu.
«Pois ainda não está bem a dormir... está à espera que adormeças!», remendo eu.
Estás a crescer, é impossível ignorá-lo, começas já a duvidar de algumas coisas que te digo... não tarda muito vais saber que sou eu que falo pelo patinho? e vais saber do contador da luz... Mas isso agora não importa, anda cá, vou-te contar uma história e tu... vais sonhar com o teu patinho falador.
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