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Fronteiras por cruzar

TEM SIDO DIFUNDIDO POR CENTROS UNIVERSITÁRIOS DOS EUA, FORMULAÇÕES QUE ASSINALAM; (1) A EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA EDUCATIVO MUNDIAL; (2) A CONSOLIDAÇÃO DO INGLÊS COMO LÍNGUA VENCEDORA; (3) A HOMOGENEIDADE CULTURAL DO SISTEMA EDUCATIVO MUNDIAL; (4) O PAPEL CIMEIRO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NA DEFINIÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS ? CHEGA A SER ATÉ DISPENSÁVEL UM ESFORÇO ANALÍTICO DE MAIOR FÔLEGO PARA PÔR EM EVIDÊNCIA O ENVIESAMENTO EPISTEMOLÓGICO DESTAS POSIÇÕES.

Não é necessário fazer correr tinta repisando informações bibliográficas para demonstrar que as abordagens «a-históricas» em torno da globalização e das novas tecnologias sustentam como uma de suas teses a ideia segundo a qual, no «mundo global», todas as fronteiras teriam ido abaixo, ou estariam na iminência de o irem. Contando, por vezes, com a cumplicidade inclusivamente de discursos académicos que até se chancelam como críticos ? mas que se omitem da tarefa de, como diria Boudieu, desvendar as categorias de pensamento impensadas que delimitam o pensável e predeterminam o pensado ?, as apologias em torno de um tal entendimento caminham mesmo no sentido de se tornarem uma espécie de ?senso comum esclarecido?.
É a partir disso que se realça a existência de uma força de trabalho global, a qual,  num contínuo vai e vem, cruzaria o mundo sem encontrar barreiras nos mercados nacionais. Lançando mão de uma pitada de ironia, poder-se-ia portanto dizer que estaríamos na situação ideal para se efectivar a consumação da divisa marxiana contida no «Manifesto Comunista» (?Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!?). Ironias à parte, o fato é que a ideia da existência de livres mercados de trabalho, quer dizer, de «mercados sem fronteiras», tem se constituído actualmente numa importante peça retórica em diversos discursos. Diga-se todavia que, sob um determinado ponto de vista, até aí, não há nada de mais, principalmente quando consideramos, no «plano da acção», a variedade axiomática própria dos «intervenientes sociais». Contudo - sem que se separe, de forma absoluta, compreensão e acção -, é, no mínimo, intrigante, ver como um discurso da «esfera da compreensão» tem, também ele, se assumido como um interveniente social da retórica a que estamos aludir. Referimo-nos ao discurso de uma ?certa? Sociologia da Educação.
No ?melhor estilo norte-americano?, tem sido difundido de centros universitários dos EUA, tendo em conta os ?mercados sem fronteiras? e a ?força de trabalho global?, formulações que assinalam, entre outras coisas, (1) a existência de um sistema educativo mundial, com aparatos que constituem uma espécie de modelo para todos os países; 2) a consolidação do inglês como língua vencedora enquanto meio de comunicação global e a decadência das outras línguas; 3) a homogeneidade cultural do sistema educativo mundial; 4) e o papel cimeiro das organizações internacionais na definição das políticas educativas.
Ora, chega a ser até dispensável um esforço analítico de maior fôlego para pôr em evidência o enviesamento epistemológico destas posições. De «per si», elas não só abrem o flanco para a crítica ao seu pressuposto basilar como a forma de estruturação deste instaura a contradição entre as mesmas. De um modo geral, e primeiramente, não se pode senão rejeitar como indigno de consideração intelectual séria o facto de as referidas formulações apanharem sob um mesmo nível questões que têm estatutos teóricos diferentes. Da «mestiçagem cultural», não se pode generalizar um sistema educativo mundial comum a todos os países. E não se pode ainda atribuir outra designação que não «contradição» à ideia de formação de uma «força de trabalho global» que é qualificada tendo como referente a estrutura curricular de um determinado país apenas. 
Mas, ao fim e ao cabo, e em síntese, o que esta Sociologia da Educação termina por revelar, mesmo enfatizando o inverso, é que os chamados mercados de trabalho sem fronteiras e a força de trabalho global só existem enquanto construções abstractas. É o que fica demonstrado com as afirmações em torno da universalidade político-organizacional de um País (os EUA) e em volta da supremacia de uma língua (o inglês). Por outras palavras: os mercados de trabalho continuam com fronteiras, e aí estão as decorrências da questão da imigração para o provar, onde o problema dos imigrantes clandestinos serve como uma amostra representativa. Não realçar isto, significa anular a «análise social» no seu trabalho de desocultar o que está ocultado nos diversos discursos que «contribuem» para a construção da realidade, tornando-a mera coadjuvante dos propósitos políticos de tais discursos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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