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Um espaço para Todos

O Espaço T surgiu no Porto, há quase dez anos, com o objectivo de redefinir a tradicional abordagem de ressocialização das minorias desfavorecidas e marginalizadas. Aqui convivem no mesmo espaço deficientes, toxicodependentes e pessoas "normais", recorrendo à arte como instrumento de terapia. Entrevistamos Jorge Oliveira, director desta instituição, um jovem enfermeiro que um dia decidiu acreditar neste projecto e abrir portas à utopia.

Em que contexto surge o Espaço T? É uma instituição de apoio social com  características diferentes das congéneres?

O Espaço T surge em 1994 como uma instituição de apoio a minorias sociais desfavorecidas e marginalizadas, que, embora dando prioridade a estes grupos, pudesse ao mesmo tempo ser frequentado pelas pessoas ditas ?normais?, porque também essas têm problemas de integração, porventura de outra índole. Daí o espaço ser T, de Todos.
Aqui, a arte assume um papel preponderante na ressocialização dos utentes, que tentamos ver como indivíduos bio-psico-sociais e não apenas como doente mentais ou físicos.

Como é que a arte pode funcionar como instrumento terapêutico e um elemento de integração social?

Na altura em que iniciei este projecto eu próprio desconhecia o verdadeiro alcance da arte enquanto elemento terapêutico, mas a minha intuição levava-me a acreditar que ela poderia ser um importante elemento na interacção com os meus pacientes e na sua recuperação.
A minha experiência como actor de teatro, durante a qual aprendi a explorar técnicas de grupo que viria a aplicar a nível terapêutico enquanto enfermeiro num centro de atendimento a toxicodependentes, contribuiu em grande medida para reforçar essa crença. A verdade é que resultava: eles ficavam mais calmos, adquiriam uma postura positiva e integravam-se com maior facilidade.
Afinal, a arte é uma linguagem positiva, uma linguagem das emoções, uma forma universal de comunicar. Através dela podemos transmitir a nossa emocionalidade, o verdadeiro eu que, na maioria das vezes, está camuflado por trás de uma imagem social.
Julgo que a nossa sociedade é muito racional e mecanicista, e a arte é uma forma de diluir essa racionalidade e potenciar o quoficiente emocional das pessoas, que é tanto ou mais importante do que a dimensão clínica. A arte é uma forma de auto-descoberta e de melhoria da auto-estima, funcionando como um excelente instrumento de resocialização e de preparação para a complicada realidade do dia-a-dia, que já sendo difícil para as pessoas ?normais?, em maior medida será para as pessoas mais frágeis.

O Espaço T foi oficialmente reconhecido como entidade formadora há três anos. Qual é o âmbito da formação oferecida? Sei que durante o ano passado, por exemplo, desenvolveram projectos vocacionados para a intervenção comunitária em alguns bairros do Porto. Que balanço faz dessa iniciativa?

O espaço T ministra formação em diversas áreas desde a sua criação, mas só em 2000, depois de um processo de acreditação iniciado quatro anos antes, fomos certificados pelo Instituto Nacional de Formação como entidade formadora. A partir dessa altura, no âmbito da filosofia de reintegração e de resocialização que sempre nos orientou, decidimos apostar na formação especificamente dirigida a grupos desfavorecidos e ao público em geral, nomeadamente na área da dançaterapia, musicoterapia, com uma formação dinâmica e aberta a todos.
No âmbito desta oferta achamos que seria interessante iniciar um processo de formação-acção, que neste caso foi dirigida aos habitantes de cinco bairros sociais do Porto - a que se juntou a Trofa, onde existe uma extensão do Espaço T -, cujo objectivo, para além da dotação de competências sociais e profissionais no âmbito da intervenção comunitária e da animação sócio-cultural, passava também por aproximar essas populações da cidade, habitualmente arredada do seu quotidiano.
Complementando esta formação de carácter vocacional realizamos igualmente um conjunto de 29 acções onde trabalhamos estratégias positivas de estar perante a sociedade, nomeadamente a aceitação dos outros através da diferença, numa tentativa de promover agentes locais de mudança. Apesar destas acções de formação terem sido coordenados pelo nosso departamento de formação, na prática elas foram conduzidas pela população dos próprios bairros, já que, em todos eles, as instituições locais funcionaram como parceiros. No total formamos 24 jovens, muitos deles já integrados em diversas instituições locais. Acima de tudo destacaria o trabalho de parceria conseguido, o que permite, desde logo, fazer uma apreciação positiva do projecto.

O ano de 2002 foi para o Espaço T o ano do Auto-conhecimento, que reflecte, em parte, o carácter das iniciativas desenvolvidas. Como está a ser 2003?

O ano de 2003 está a ser dedicado à qualidade. O Espaço T existe há quase dez anos mas achamos que crescemos muito rapidamente. Era tempo de reflectirmos internamente, de trabalharmos o que está menos bem e de imprimir uma nova dinâmica ao departamento de formação.

Isso, para além das actividades anuais que habitualmente realizam, como o Corpoevento?

Sim. O Corpoevento, que este ano irá ter lugar no auditório da biblioteca Almeida Garrett, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, é um festival de teatro que já vai na sexta edição e continua a ser uma das nossas principais iniciativas. Outro evento que integra o nosso calendário é o congresso anual do Espaço T, este ano sob a designação ?O Silêncio, o Ruído e Tudo o Resto?, onde se abordou a importância da música e do silêncio, que contou com a participação de mais de um milhar de participantes, o que nos leva a acreditar que existe necessidade de trabalhar mais eficazmente a área emocional e não só a racional.
Sendo este o ano do cidadão com deficiência, vamos dedicar um número da revista Contactos às barreiras arquitectónicas que constrangem o quotidiano de muitos homens e mulheres deste país, tentando, no entanto, percepcioná-los de uma perspectiva positiva e construtiva. Esta edição irá contar, para além da habitual edição em Braille, com um CD de voz que permitirá uma ?leitura? diferente dos conteúdos  da revista.

Este é sem dúvida um projecto pioneiro no país?
 
Penso que sim, nomeadamente pela variedade de público abrangido. Para além disso, o Espaço T conseguiu que um crescente número de instituições estejam a fomentar algumas das nossas boas práticas. Para nós isso é muito importante. Não queremos ser uma associação fechada à comunidade. Exemplos disso são os estágios requeridos por algumas universidades e as visitas de diversas instituições que nos procuram para aprender algo connosco. Nunca como até agora se falou tanto da terapia pela arte, e isso é muito positivo. O objectivo do espaço T não é apenas o trabalho directo com as pessoas mas também a promoção de atitudes de mudança social.

Quais são os planos para o futuro?

O nosso objectivo mais imediato é garantir um espaço próprio, onde possamos reunir, num mesmo edifício, todas as actividades que desenvolvemos, fazendo dele um espaço aberto à comunidade, com exposições temporárias e permanentes, bem como um serviço de bar e restauração que possa ajudar a equilibrar o orçamento da instituição.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Jorge Oliveira

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Jorge Oliveira

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