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O insucesso escolar entre adolescentes: leituras simplistas e suas lamentáveis consequências

E ? O QUE É PENSAS QUE VAIS GANHAR COM A TUA IDA PARA A ESCOLA?
I ? EU? ACHO QUE QUASE NADA. ANTES SIM, MAS AGORA? NADA.
E ? O QUE É QUE GOSTASTE MAIS OU A QUE DESTE MAIS VALOR NA TUA PASSAGEM PELA ESCOLA?
I ? TER PACIÊNCIA. APRENDI A TER PACIÊNCIA ENQUANTO ESPERAVA TERMINAR O CICLO (Ismael, 15 anos)

Hoje em dia é frequente confrontarmo-nos com todo o tipo de interpretações sobre o insucesso escolar entre os adolescentes. As mais comuns em Espanha, actualmente, têm a ver com o alargamento do ensino obrigatório até aos 16 anos, introduzido pela LOGSE, com a constante chegada de imigrantes aos nossos centros escolares, com a crescente violência juvenil, com o desaparecimento dos valores tradicionais da ?família? (de que tipo de família, poderia perguntar-se) ou com a recorrente desmotivação e desinteresse dos jovens adolescentes. Estas interpretações, frequentemente facilitadas por algumas tendências mediáticas obcecadas com a demonização da juventude, proporcionam leituras simples e simplistas da realidade, da forma como os adolescentes vivem a sua experiência escolar. Reduzem os matizes e a complexidade das relações sociais a interpretações a ?branco ou negro?, ao mesmo tempo que procuram causas únicas para a explicação para todo o tipo de problemas sociais. Por outro lado, estas explicações cumprem uma clara função social: a de oferecer respostas a questões que inquietam socialmente, não só os especialistas das ciências da educação, mas também os cidadãos em geral, sem esquecer, é claro, os país e as mães dos adolescentes e os próprios professores.
Esta necessidade de ter respostas é, evidentemente, legítima. Mais, qualquer sociedade tem o direito, para não dizer a obrigação, de dispor de explicações sobre a mudança social, e as transformações educativas são indubitavelmente um aspecto central desta. É preocupante, contudo, que estas respostas se fundamentem tantas vezes em interpretações grosseiras. Umas vezes, a grosseria aplica-se em confundir os sintomas com as causas (como no caso da coincidência entre a incorporação da população de origem imigrante em dadas escolas e o baixo rendimento académico, ou o alargamento do ensino obrigatório e a automática queda da qualidade do ensino). Outras, o exercício interpretativo passa por extrapolar a partir de casos espectaculares (como o da violência nas salas de aula) para veicular de forma mais ou menos explícita leituras catastrofistas sobre a desorientação juvenil, sobre a ?crise de valores?, sobre a incapacidade do nosso sistema educativo e dos nossos professores para lidarem com problemas desta magnitude.
Que papel desempenham estas leituras da realidade educativa? Prescindindo de saber se se trata de interpretações com uma clara intenção ou não, não se pode negar que estas leituras incorporam mensagens que se difundem rapidamente na opinião pública. Hoje, porventura com uma ênfase sem precedentes, observamos as consequências sociais destas interpretações. O axioma sociológico de William Thomas segundo o qual ?uma situação definida como real, é real nas suas consequências? evidencia-se no ensino secundário público como em nenhuma outra instituição social. Famílias que fogem da mestiçagem social das instituições públicas, procurando refúgio em escolas privadas, professores desencantados com a ?diversidade? das aulas que optam por abandonar a carreira ou que acabam por aplicar receitas segregadoras para gerir essa diversidade, instituições de educação pública que perdem o notável prestígio adquirido nos anos oitenta, discursos políticos que, em nome da qualidade do ensino, ousam apresentar-se como os mais equitativos e eficientes para combater o insucesso escolar, políticas educativas mais dirigidas a manter a ordem social do que a desenvolver medidas efectivas contra o insucesso escolar. A lista é grande e as consequências podem ser, e de facto muita vezes são-no, dramáticas.
Algo falha, contudo, quando estas leituras simplistas do insucesso escolar conseguem penetrar sem muitos obstáculos na opinião pública e política e traduzir-se na progressiva deterioração do ensino público. Algo falha quando não somos capazes de construir um discurso contra hegemónico suficientemente sólido para desmascarar o simplismo interpretativo dessas leituras grosseiras e contrapor interpretações que reflictam a complexidade da realidade. São muitas as possíveis explicações da nossa incapacidade para desmontar o discurso hegemónico, contudo existem dois aspectos que no meu modo de ver são cruciais para conseguir neutralizá-lo. Por um lado, necessitamos de reflectir sobre o sentido que a experiência escolar tem para os jovens adolescentes, quer dizer, descobrir como e por que é que há adolescentes que rapidamente sentem que a instituição escolar não tem nada para oferecer à sua experiência vital, que visualizam a sua trajectória pessoal e profissional distante das instituições escolares. Por que é que Ismael nos diz que a única coisa que aprendeu na sua passagem pela escola foi a ter paciência? Por outro lado, é preciso reconstruir um discurso novo do ?público?, que se pode perfeitamente e deve preservar os valores tradicionais da solidariedade, e a coesão e a igualdade de oportunidades têm que se reconfigurar para que também no ensino público possa existir a qualidade e a eficácia educativas. Só assim poderá evitar-se que, apesar das muitas vozes críticas contra a deterioração do ensino público, a cidadania opte por abandonar o barco, contribuindo, dessa forma, ainda mais para a sua deterioração e pobreza. Temos, pois, muito caminho por recorrer.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona
Xavier Bonal
Universidade Autónoma de Barcelona

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