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Preocupações em torno da uma reformulação da Lei da Bases da Educação

Muitas e muitos de nós, cidadãs e cidadãos para quem a educação continua a ser uma preocupação importante, ficaram estupefactos por se aperceberem que o actual Governo se precipitou para na Assembleia da República apresentar uma proposta de Lei de Bases da Educacão, sem prévio debate e discussão - a surpresa de saber que um documento tão central é anunciado como não dependendo de outras perspectivas senão a de um governo que a poderá moldar com base na maioria parlamentar que detém. Ainda mais estupefacto/a se fica, quando se lê na Proposta que se trata ?de matéria do mais sublime significado nacional?.
Muitos aspectos importantes poderiam suscitar comentário preocupado, mas no curto espaço de tempo e de espaço que me foi atribuido para esta contribuição, queria referir três aspectos que estão contidos na proposta governamental e que seleccionei para comentário.
O prolongamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos parece concitar uma unanimidade - mais escola, mais educação, mais escolarização. Mais 'produtividade', também, como nos anunciam agora constantemente. Nalguns dos paises que são apontados por muitos como exemplo de um desenvolvimento económico modelar, os/as jovens frequentam a educação escolar até aos 18 anos. Esta proposta governamental parece querer ir na mesma linha, prometendo que Portugal será um pais de grande competitividade, até na formação que vai dar aos seus e suas jovens.
No entanto, esta medida de prolongamento da escolaridade obrigatória pode ser lida, aproveitando das lições da análise socio-histôrica, como forma de promover uma maior identidade dos cidadãos e das suas cidadãs (quando se trata de as incluir), com o estado-nação, com a promoção de uma unidade política nacional, com a polity, em momentos de especial crise, como esta que atravessamos e que parece pôr em causa referenciais comuns de identidade. Assim, talvez se possa pensar que, mais do que uma medida para a melhoria da educação de portugueses e portuguesas, o que presidiu a esta proposta tem possivelmente uma preocupação em torno da coesão nacional, de concitar a unanimidade em torno de uma orientação governamental, aproveitando de questões para muitos e muitas tidas como centrais num Estado democrático.
Para que esta medida possa ser de facto potenciada no seu valor educativo, só assumirá sentido se esta escola que conhecemos fôr capaz de se reformular e de reconhecer, de forma abrangente e aprofundada, os saberes das suas crianças e dos/das jovens, e construir mediações com esses conhecimentos e através deles, no alargamento de perspectivas e saberes-fazeres.
Uma outra preocupação que queria exprimir é sobre o desaparecimento de qualquer referência às questões de igualdade entre mulheres e homens na educação, tendo sido suprimidas as referências presentes na acutal Lei de Bases em vigor (Lei 46/86). Assim, se põe de lado uma das finalidades centrais assumidas pelo Estado sobre a promoção da igualdade entre mulheres e homens consagrada na Constituição da República Portuguesa (Lei Constitucional nº1/97, Art.9º, alínea h, de 20 de Setembro).
O texto produzido pelo governo põe de parte as questões de igualdade, fazendo breve alusão à questão de igualdade de oportunidades. Percebe-se pois que as questões de igualdade nesta proposta não tem qualquer relevo, como se fosse necessário esconjurá-las, pelo impacto que tiveram nas vidas das pessoas até tempos recentes, e se torne necessario reduzir as suas expectativas, ?arrefecê-las? e encaminhá-las para os destinos que se pensam como ?adequados? e ?certos? para portugueses e portuguesas. O desaparecimento da questão da igualdade de mulheres e homens poderá ser explicada por ser considerada, pelos redactores da proposta, como irrelevante, na base de aparências, como se tudo já estivesse obtido, e da educação mais nada fosse a esperar nesse campo? Ou a proposta de facto alinha pela linhas mais conservadoras, com a finalidade de permitir que os mecanismos reprodutivos do próprio sistema educativo possam continuar a actuar? A igualdade entre mulheres e homens deverá, nomeadamente, inicidir sobre as mensagens que a escola (e outras instituições de carácter formativo) transmite a quem a frequenta em relação a percursos intra e para além da escola, de forma a que sejam desconstruídos estereótipos, que continuam, como mostram estudos recentes, a transmitir imagens de discriminação e de desigualdade de mulheres e homens. Não há qualquer indicio de preocupação de desenvolvimento de uma politica de género que contribua para uma cultura escolar mais diversificada, e atenta à promoção de direitos e não à manutenção de processos que promovem destinos marcados pela origem sexual.
Não poderei deixar de referir, ainda, o que possivelmente prenuncia a atribuição da designação de ensino secundário ao ciclo que se inicia depois de terminado o 2º ciclo do ensino básico ? e que parece querer repôr vias diferentes a partir daí, vias profissionalizantes, artisticas, técnicas, tecnológicas e de prosseguimento de estudos (art 16 #4). A formulação é pouco precisa, propositadamente, podendo vir a permitir que se instale um sistema de vias, a partir já dos doze anos, com muitas semelhanças à divisão anteriormente conhecida entre ensino técnico, e ensino liceal, entre vias ?nobres? e vias de segunda, para saidas para o mundo de ?trabalho manual?.
Que esperança podemos manter do debate na especialidade na AR?


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Helena Costa Araújo
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
Helena Costa Araújo
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto

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