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Concertar estratégias para um mundo mais verde

Entrevista com Fernando Morgado investigador da Universidade de Aveiro

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DEBATERAM EM MAIO, NA CIDADE DE ESPINHO, A EDUCAÇÃO AMBIENTAL, NO DECORRER DO 1º CONGRESSO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. A INICIATIVA FICOU A DEVER-SE À ORDEM DOS BIÓLOGOS, UNIVERSIDADE ABERTA E UNIVERSIDADE DE AVEIRO

O primeiro Congresso Mundial de Educação Ambiental teve lugar em Maio passado, em Espinho. Um encontro pioneiro que serviu para conhecer as experiências que estão a ser realizadas um pouco por todo o mundo e lançar uma nova estratégia internacional de actuação das organizações não governamentais ligadas a esta área. Para saber um pouco mais sobre os objectivos que presidiram a este encontro, entrevistamos um dos organizadores, Fernando Morgado, biólogo, investigador do departamento de biologia da Universidade de Aveiro e membro da comissão instaladora do Colégio de Educação desta instituição.
 
Em que contexto surge a realização deste I Congresso Mundial de Educação Ambiental?

O encontro partiu da iniciativa de uma organização não governamental, que reúne a Ordem dos Biólogos, a Universidade Aberta e a Universidade de Aveiro, e pretendeu ser um fórum mundial de discussão sobre as grandes questões da educação ambiental. A UNESCO tem realizado ao longo dos últimos trinta anos uma série de reuniões ligadas a este tema - que serviram, aliás, para o lançar a nível planetário -, mas sempre de índole governamental. Apesar de ser um assunto relativamente recente, a sociedade civil tem-se apercebido de que a educação ambiental não tem tido a devida repercussão pública e foi ela própria a sentir a necessidade de lançar este debate.

É um encontro inédito?

É um encontro inédito na medida em que parte de uma iniciativa não governamental e por se ter revelado de uma extrema importância para o lançamento de uma plataforma mundial que reunirá periodicamente nos próximos três anos. O próximo fórum será organizado já no próximo ano no Rio de Janeiro, em 2005 em Turim e em 2007 na África do Sul. O objectivo deste périplo intercontinental é o de abranger uma área planetária suficientemente vasta de forma a representar países e contextos diversos. 

Qual é o balanço possível da actuação das organizações não governamentais na área da educação ambiental?

A maior dificuldade sentida hoje pelas ONG?s situa-se ao nível da comunicação e da troca de informação. Este congresso mundial serviu precisamente para se fazer um balanço das actividades que decorrem a nível mundial, uma espécie de levantamento que permitisse conhecer as estratégias que estão a ser desenvolvidas, que género de ONG?s trabalham nesta área, quantas são e por que áreas geográfica se distribuem, etc... E nesse aspecto ficou patente que há diferenças substanciais, não só ao nível do número como das estratégias aplicadas.
Há continentes onde, face a determinadas contingências económicas e políticas, as estratégias incidem mais sobre os recursos e só agora se estão a lançar as primeiras campanhas de sensibilização, a levantar as questões, ao passo que outros estão claramente mais avançados, têm uma intervenção transversal, incidindo mais sobre aspectos educativos e culturais, e já se está inclusivamente a caminhar para a resolução de certos problemas. Este encontro teve a enorme vantagem de confrontar essas diferentes experiências e concluir que é necessário concertar estratégias a nível mundial.
Tal como referi, uma das principais críticas dos participantes prende-se com o facto de não haver uma estrutura mundial que coordene toda esta informação. Para isso, foi criado um órgão não governamental permanente que possa abordar esta questão a nível mundial, criando uma rede entre cientistas, educadores, decisores políticos, técnicos e outros agentes envolvidos. Está também na forja a constituição de uma sociedade mundial de educação ambiental que sirva de articulação das diferentes estratégias a nível mundial. Pretende-se que aquilo que se faz no continente americano, por exemplo, tenha a mesma matriz daquilo que se faz na Europa e na Ásia, de forma que nos próximos encontros seja possível confrontar os resultados e chegar a conclusões mais eficazes do ponto de vista prático.

E em Portugal, o que está ser feito?

Pensamos que é fundamental lançar a educação ambiental como um desígnio do país. Para isso, é indispensável o apoio do governo e do tecido empresarial, pelo que procuramos criar uma plataforma de concertação a nível nacional que incluísse representantes destes poderes.
Nesse sentido convidamos a Secretaria de Estado do Ambiente, que se fez representar pelo seu chefe de gabinete, tendo ficado agendada uma reunião que permitirá concertar posições e partir para medidas mais concretas. Além disso, dois dos mais importantes representantes das associações comerciais e empresariais portuguesas, Belmiro de Azevedo e Valente de Oliveira, estiveram também presentes no encontro e mostraram-se receptivos à ideia. Para nós foi muito importante porque, como se deverá compreender, não é possível deixar os empresários e os industriais fora desta discussão.

O ministério da educação também esteve representado?

Não, os seus responsáveis alegaram dificuldade de agenda.

Sabendo que o sistema educativo pode ser um dos pilares da educação ambiental, é um contra senso?

Sim, de certa maneira...

E nas escolas portuguesas, que balanço pode ser feito?

No nosso país a educação ambiental ainda não é tida como uma área nobre. É um campo ainda muito recente e o que se vai fazendo poderá caracterizar-se, quanto muito, por sensibilização ambiental, o que é muito diferente de educação ambiental. Aliás, achamos que em Portugal está a ser feito e a ser investido muito pouco neste domínio. É necessário termos consciência de que a educação ambiental é uma atitude permanente e não um conjunto de actividades esporádicas e descoordenadas para nos deixarem com a consciência tranquila. É necessário perceber que a sociedade está em permanente transformação e que os princípios da educação ambiental devem ser abordados de raiz e coexistir no mesmo plano dos princípios culturais, religiosos ou éticos.

Qual poderá ser a estratégia e de que forma pode a escola contribuir para ela?

Acima de tudo é necessário abordar a educação ambiental de uma perspectiva transversal. Não queremos transformá-la numa disciplina. Ela deve ser um valor educativo, cultural, e como tal é necessário que as pessoas estejam informadas.

Mas para isso é necessário dar uma nova dimensão à formação inicial dos professores?

Sobretudo é preciso incrementar a reciclagem profissional e promovê-la através de acções de formação contínua, de forma que a educação ambiental possa ser abordada no plano curricular - em história, como em geografia, ciências naturais ou português, e não limitá-la à biologia como hoje acontece - e extra-curricular..

Mas de que forma aplicar na prática essa transversalidade?

Potencializando os espaços curriculares e extra-curriculares que já estão previstos, como a área de projecto, por exemplo. Apesar de ainda não ter olhado atentamente para esta nova reforma curricular, esses espaços estão já definidos na anterior moldura organizacional, só que não se concretizam. O programa curricular prevê três tipos de formação - a formação individual dos alunos, a formação técnica e a formação cívica -, mas não estão a ser levadas à prática porque a escola centra-se quase exclusivamente no segundo objectivo, ou seja, na transmissão de conhecimentos. Mas ela não se pode resumir a essa dimensão.

Sente que os professores portugueses se interessam por esta área ou continuam a achar que ela é da exclusiva responsabilidade dos ambientalistas?

Sim, de certa maneira continuam a achar que esta é uma responsabilidade dos ambientalistas e torna-se urgente mudar essa mentalidade. E para isso é necessário actuar a diversos níveis: é preciso que os mais novos tomem contacto com esta realidade mais cedo, é preciso reciclar e dar formação aos professores e é necessário que a própria sociedade entenda as transformações que estão a ocorrer. E isto não é uma utopia. A prova transparece em algumas experiências de outros países, nomeadamente europeus, onde a abordagem a nível curricular é completamente distinta da nossa.

Conhece algum projecto que deva ser destacado neste âmbito?

Até há pouco tempo existia o projecto Ciência Viva, mas neste momento o programa está cancelado e isso deixa-nos preocupados, porque por muito pequeno que fosse as escolas trabalhavam a ciência ? e a educação ambiental deve ser entendida como uma ciência. Agora vai haver mais dificuldade para pôr as crianças e os jovens a trabalhar nesta área. Neste momento estamos à espera da iniciativa do governo, já que um novo plano foi apresentado há cerca de um ano mas ainda não entrou em funcionamento.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Fernando Morgado
Universidade de Aveiro
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Fernando Morgado
Universidade de Aveiro
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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