Página  >  Edições  >  N.º 124  >  Carlos Martins: um jovem professor preparado para o pior

Carlos Martins: um jovem professor preparado para o pior

O PRIMEIRO ANO

«POSSO GABAR-ME DE NÃO TER VINDO PARA O ENSINO POR FALTA DE MÉDIA PARA IR PARA OUTRO CURSO». A CONSTATAÇÃO VEM À BAILA LOGO QUE LHE É PERGUNTADO O MOTIVO DE TER ESCOLHIDO SER PROFESSOR. ALÉM DISSO, «ESTAR EM CONTACTO COM AS CRIANÇAS FAZ-NOS MANTER A CRIANÇA QUE HÁ EM NÓS». E COMO «JÁ EM PEQUENO TROCAVA A BOLA PELO LÁPIS», CARLOS MARTINS, 23 ANOS, DECIDIU QUE QUERIA ENSINAR EDUCAÇÃO VISUAL E TECNOLÓGICA.

É o seu primeiro ano de ensino. E como qualquer outro iniciado na profissão de professor preparou-se para o pior: não arranjar colocação. Foi por isso com grande surpresa que Carlos Martins, natural de Viana, se viu colocado na Escola Básica 2/3 de Augusto Gil, no Porto. Ainda mais surpreendido ficou quando viu um horário de 13h ficar completo. No próximo ano a sorte pode vir a abandoná-lo. Ainda assim, Carlos Martins acredita que os professores em início de carreira devem estar preparados ?para viver um ano de cada vez.? É o que ele vai fazer, assegura numa pose descontraída e sempre sorridente.
Mas a estabilidade profissional não é importante? ?Sim, para quem quer organizar a vida?, relativiza o professor que vê a questão de um outro ângulo que não o do professor. ?Os últimos a serem prejudicados com a mobilidade dos professores deverão ser os alunos?, afirma Carlos com convicção. A sua postura torna-se mais séria. ?Quando os professores são colocados numa escola têm de ter a consciência de que essa é a colocação possível naquele momento e dar o seu melhor.?

A primeira desilusão

?Para já é tudo novidade!? Desilusões com a passagem da teoria à prática do ensino ainda não existem. Bom, talvez exista uma? A de João (nome fictício). Um aluno de 15 anos com um passado de insucesso escolar ?muito complicado?. O rapaz frequenta o 5º ano em regime de currículo alternativo, mal sabe ler e escrever. Mas desenha letras muito bonitas embora sejam apenas copiadas do quadro. A apetência mostrada na área do desenho levou Carlos a tentar estabelecer uma comunicação visual com o rapaz. ?Primeiro fi-lo desenhar-se a si mesmo, depois aos pais, depois a mim. A seguir fizemos fantoches e como ele é muito tímido tentei que falasse através deles?? Até que a barreira entre professor e aluno foi ultrapassada. ?Queria chegar até ao João via amizade, não só fazê-lo aprender conteúdos mas fazê-lo sentir que tinha alguém em quem confiar e com quem desabafar??, explica Carlos. Mas o aluno começou a faltar muito à escola. ?Sei que ele deve estar a trabalhar com o pai, a família é carenciada.. Mas estou-me a sentir muito frustrado com esta situação. É o tipo de coisas que afecta muito um professor!?, desabafa.

Peças que não encaixam

Apesar de ser um recém-chegado à profissão Carlos Martins já detectou algumas ?peças que não encaixam? no sistema de ensino. Uma dessas peças é o adiamento das reformas dos professores. ?A ideia que tenho é de que há um grande número de professores num período de serviço alongado. Por isso mais tarde ou mais cedo haverá uma renovação?, observa Carlos. A antecipação das reformas serviria na sua opinião tanto aos professores com longos anos de serviço como aos que iniciam agora a carreira. Uns porque ?eventualmente podem estar cansados do ensino?, outros porque poderiam vir a ocupar os lugares deixados vagos pelos jubilados, nota Carlos Martins.
Outra das peças difíceis de encaixar no puzzle da educação é a dos concursos. Carlos Martins critica sobretudo a burocracia ao nível do preenchimento dos impressos: ?São códigos e mais códigos? filas e mais filas, uma falta de organização?? Acresce o facto de ser esta uma situação incontornável que se repetirá todos os anos até que chegue a efectivação.
É precisamente na ajuda a estas ?burocracias? que sobressai, no entender do professor, o papel das organizações sindicais. ?De facto são impecáveis no que diz respeito à informação dada sobre os concursos e nos esclarecimentos que dão sobre legislação.? No entanto, Carlos admite que não acompanha a actuação sindical. ?É claro que elogiar o papel dos sindicatos e não ser sindicalizado, parece um contracenso??, sorri. ?Mas até pode ser algo que venha a fazer!?
Por falar em sindicatos perguntamos se a remuneração seria porventura outra peça que não encaixaria no puzzle da educação. ?Já trabalhei em padarias, cafés e só agora sim, sinto-me bem remunerado! Mas se perguntar a outra pessoa talvez a resposta seja diferente.? Com a motivação ao rubro Carlos não trocava a profissão por nada deste mundo. ?É o meu primeiro ano de serviço se tivesse vontade de mudar?(risos).?


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Carlos Martins
Professor, Porto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Carlos Martins
Professor, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo