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Em Portugal sopra um vento depressivo e repressivo

O CLIMA SOCIAL EM PORTUGAL ESTÁ DESAGRADÁVEL.  ISTO NEM PARECE UM PAÍS, PARECE  MAIS UM SÍTIO MAL FREQUENTADO. O CLIMA ESTÁ ÁRIDO E CARREGADO DE AGRESSIVIDADE.  ESTE CLIMA COMEÇOU COM A ELEIÇÃO DO ACTUAL GOVERNO E NÃO PAROU DE SE AGRAVAR. AS PESSOAS DO GOVERNO PARECEM NÃO TEREM ALMA, UM MÍNIMO DE ALEGRIA, PRAZER, UM BOCADINHO DE GOSTO PELA VIDA, SÃO INSEGURAS, ESTÃO SEMPRE NA DEFENSIVA.  SEMPRE CRISPADAS.

O nosso Governo não comunica com os cidadãos. Os membros do Governo vivem fechados sobre si próprios. Convenceram-se que explicar-se aos cidadãos é uma perversão. Julgam que governar é impor decisões. Irritar-nos, prejudicar-nos, é para eles sinal de boa governação. Não entendem que o PIB não cresce nem diminui em função da gritaria ou do ritmo cardíaco.

A este clima triste, promovido pelo governo, veio agora somar-se um não menos depressivo clima judicial. Já estávamos a ser governados por políticos medíocres e autoritários, agora, juntam-se-lhe uns juízes opacos, que parecem apostados no conflito social. Temos a sensação que  não se está a praticar justiça com naturalidade, mas de facalhão na mão. Procuram-se cabeças para cortar e exibir na Praça da República.
Em nome da luta contra o terrorismo internacional, depois do 11 de Setembro, precipitadamente, as autoridades soltaram os ventos. Sopra agora um vento a favor da actuação das polícias e dos serviços de informação. Num repente, desmorona-se o edifício das liberdades e garantias que havíamos construído, sacrificadamente,  durante décadas.
Atónitos, descobrimos que os nossos telefones podem ser escutados. A nossa correspondência bisbilhotada. Podemos ser presos por mera denúncia ou delação. Podemos permanecer na prisão sem sabermos porquê. Mais atónitos, ouvimos dizer, que até o Presidente da República pode ser escutado por ser amigo de um qualquer suspeito.
Atónitos e mais inseguros. No último ano descobrimos, que era precário, muito do que levamos dezenas de anos a alcançar. Direitos que tínhamos como seguros são intempestivamente abolidos. A nossa vida de trabalhadores é cada vez mais precária e insegura. Sobram as ameaças sobre os poucos direitos que havíamos conquistado.
Os novos governantes e os seus acólitos, erigiram a insegurança no trabalho, como factor de progresso. Nós contrapomos que a insegurança no emprego é um fortíssimo factor de desorganização das instituições, com particular destaque, para a família. Cresce o desemprego. Crescem a angústia e o mal estar social.
Tínhamos garantias de carreiras profissionais e direitos de reforma. De supetão, uma medida de gabinete, atirou as garantias para o caixote do lixo. Os direitos de acesso à reforma ? pagos com os nossos impostos ?  foram diminuídos de forma autocrática. A nossa insegurança sobe em flecha. Quem altera agora a seu belo prazer faz outro tanto amanhã. Vivemos mal, mas somos acusados de viver bem. Acima das nossas posses, dizem.
É obrigação de qualquer Governo apresentar estratégias para o desenvolvimento do país. É eleito para isso. Mas o nosso país está paralisado. Não sabe para onde ir. O Governo aguarda que a conjuntura internacional resolva. Que o estrangeiro nos venha salvar. Estes senhores, drogados pelo neoliberalismo,  acreditam que o Estado não deve fazer nada e, que tudo deve ser entregue, ao livre curso da economia e do mercado.
O ensino é um espelho da sociedade. Reflecte este clima desagradável e desordenado em que vivemos. Também no ensino faltam perspectivas, ideias, uma visão de conjunto, um rumo. Os alunos procuram na escola, apenas, um modo de passar o tempo. Os professores parecem-me entediados e desanimados. Em Junho, professores e alunos, já só querem ver-se pelas costas. Isto não seria grave se, em Setembro, uns e outros, tivessem vontade de voltar à escola.  Mas não. Esta escola deforma e desencoraja. Um inquérito internacional, diz-nos, que mais de metade da população portuguesa, não tem qualquer interesse pela formação. Interessam-se, isso sim, por telemóveis e roupas de marca.
Os ministros, o do Básico e Secundário e o do Superior, agitam-se. Fazem propaganda. Dão entrevistas. Gesticulam. Falam de avaliação e mérito e de mérito e avaliação e de rentabilidade, custos e pagamentos. Com nomes de reforma soltam medidas dispersas, mal escritas, pobres e desconexas. Semeiam  confusão e consternação. Esforçam-se, de forma patética, por fazer um ensino mais baratinho. Sobra conversa, asneira, demagogia barata.
Esta política educativa está a reforçar três pilares do nosso sistema educativo: hierarquia, coerção e exclusão. A escola está mais hierarquizada. Dependemos de programas educativos fechados e rígidos. Dependemos das opções e da autoridade de quem fabrica currículos,  programas  e manuais escolares. A hierarquia e a coerção estão aí. Professores sujeitos ao autoritarismo dos programas e currículos. Alunos sujeitos ao autoritarismo dos dos exames. Ambos sujeitos aos manuais escolares. Os exames e a avaliação, tão defendidos pelo actual ministro, reforçam a coerção e a exclusão. Os professores ensinam o mesmo porque os alunos serão avaliados da mesma maneira. A receita é velha. O poder central define o que todos devem aprender e como devem aprender. E decide o que deve ser avaliado e como o deve ser. Quem não se adapte é excluído. Acreditam, que tratar de forma igual, é obrigar todos a comer do mesmo bolo ou a sopa de favas. Ora o que a escola precisa é de sopa e pastelaria variadas. E liberdade de escolha. Sem diversidade, há quem a deteste e não queira voltar, nem em Setembro, nem nunca mais.
Clima autoritário, pouco inteligente, repressivo e depressivo. Neste clima depressivo, assumirmos o desejo de ser felizes, é uma afronta, uma prevaricação, uma indecência, um crime. A retórica agora dominante em Portugal, exige,  arrependimento, sacrifício, o trabalho escravo, o baixo salário, a abdicação de direitos, a aceitação do chicote, da cara de pau, do autoritarismo, do desprezo pela pessoa e a desistência do prazer.
O que nos vale é que as crianças são maáquinas de aprender. Fazem-no permanentemente. Absorvem conhecimentos como esponjas. Aprendem quer estejam na escola ou de férias. Diferente é apenas o espaço onde aprendem, e a natureza do que aprendem. Escapam, de algum modo, ao controlo político. Se nós adultos fossemos capazes de aprender como as crianças, talvez soubéssemos mudar o clima, ultrapassando e dando a volta a estas práticas e discursos, que nos reprimem e nos oprimem.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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