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"É preciso construir um novo discurso em torno da escola pública no meio político, na sociedade e na própria classe docente"

Xosé Barral Sánchez é, desde 1996, Secretário-geral da Federación de Enseñanza galega das Comisiones Obreras (CC OO), o maior sindicato de professores do país vizinho. Falamos com "Chiño", como é conhecido entre os companheiros, a propósito das últimas eleições sindicais em Espanha - onde as CC.OO reforçaram a sua representatividade -, sobre a crescente ofensiva do sector privado na educação e do papel dos movimentos sindicais na defesa da escola pública.

Quais são as actuais preocupações dos movimentos sindicais de professores, e da Federação de Ensino das Comisiones Obreras (CC OO) em particular, na Galiza e em Espanha? A Lei de Calidade Orgánica de la Educación, aprovada recentemente no parlamento espanhol, é seguramente uma delas...

Com efeito, a Lei Orgánica de Calidade da Educación (LOCE) é neste momento o primeiro elemento de preocupação para a CC OO na Galiza e no restante território do Estado espanhol. Esta iniciativa legislativa partiu de uma determinação política do Partido Popular, uma vez que conseguiu a maioria absoluta nas eleições gerais do ano 2000. O governo espanhol decidiu apresentar a lei sem qualquer tipo de debate público, sem abrir os mínimos canais de comunicação com a comunidade educativa, com os governos das comunidades autónomas e com as forças políticas do parlamento. A Lei foi aprovada apenas com os votos do Partido Popular, com uma forte oposição das restantes forças políticas.
Actualmente, aguardamos o desenvolvimento da lei por capítulos: modificação dos curriculos, repercussões destas mudanças nos quadros de pessoal, itinerários no ensino secundário obrigatório, mudanças nos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino, mudanças no sistema de eleição dos presidentes dos conselhos executivos. Lamentavelmente, estamos numa espécie de posição defensiva, com o governo espanhol a impor uma política educativa nitidamente conservadora em todas as frentes.

Como caracterizaria o movimento sindical de professores em Espanha? Até que ponto têm influência nas decisões governamentais? Os professores galegos têm ganho consciência da importância do papel dos sindicatos na sua vida profissional?

Os sindicatos de professores movimentam-se num espectro que vai do corporativismo profissional (ANPE, CSIF) até aos sindicatos que denominamos de "classe?, no sentido em que estão vinculados a um conjunto de sectores produtivos e integrados nas confederações sindicais de trabalhadores: CC OO, UGT e CIG. Além das diferenças conceptuais, o que distingue fundamentalmente uns sindicatos de outros é que o sindicato confederal não reivindica exclusivamente em função das aspirações dos professores, mas também tendo em vista a melhoria geral do sistema educativo, a melhoria do ensino, a melhoria de um serviço social essencial para a sociedade e para os próprios trabalhadores.
A vinculação dos professores às organizações sindicais estabelece-se em função da sua afinidade ideológica, mas também pelos serviços oferecidos e pelo grau de eficácia na resolução dos problemas individuais. Em algumas comunidades autónomas temos assistido nos últimos tempos a uma maior presença de sindicatos e de associações de professores de carácter mais específico, como sejam de professores do ensino secundário e de professores vinculados.
Quanto à influência nas decisões governamentais, as organizações sindicais devem ganhar permanentemente esse terreno, pois as administrações dificilmente admitem sugestões externas.

Têm conseguido aumentar a vossa base de apoio? Pelo que sei, a CC OO aumentou a sua representatividade nas últimas eleições...

Como provavelmente saberá, a representatividade sindical na Galiza e em Espanha é estabelecida em função dos resultados nas eleições sindicais. Nas últimas eleições sindicais, realizadas em novembro do ano passado, os sindicatos que aceitaram de forma mais ou menos explícita a Lei de Calidade da Educación (ANPE e CSIF) sofreram um sério revés. Pelo contrário, as organizações sindicais críticas em relação ao Ministério da Educação obtiveram resultados muito favoráveis. Nesse contexto, a federação de ensino da CC OO revalidou, uma vez mais, a sua maioria sindical no sector educativo.
A par deste processo eleitoral, o nosso sindicato também assistiu a um aumento de afiliados. Apesar de o número de professores associados à CC OO estar ainda longe dos números atingidos em Portugal, continuamos a avançar de forma notável em todas as comunidades do Estado.

A Espanha, tal como Portugal e os restantes países europeus, têm assistido a uma forte ofensiva no sentido da privatização da educação.  Que consequências tem para a classe e como têm reagido os sindicatos de professores?

Efectivamente, em Espanha, tal como em outros estados europeus, a privatização do ensino está a avançar de forma imparável. O sector do ensino privado em Espanha tem um peso notavelmente maior do que em Portugal e está ligado, maioritariamente, à poderosa igreja católica. O ensino privado aumenta anualmente as suas dotações orçamentais, mas os sistemas de controlo das verbas públicas aplicados nas suas escolas são cada vez mais ténues.
A privatização, sendo parte de um discurso ideológico liberal, conta com cada vez mais apoios na sociedade, em todas as classes sociais. Para inverter esta tendência, é preciso construir um novo discurso em torno da escola pública no meio político, na sociedade e na própria classe docente. A construção deste novo discurso supõe um esforço sério de análise, de reflexão e de sentimento colectivo. Porém, uma grande percentagem dos próprios professores é tremendamente adversa em enfrentar esta discussão, refugiando-se numa postura imobilista e conformista.
Pensamos que o papel das organizações sindicais também passa por aqui, denunciando a actuação das administrações e potenciando um debate social e profissional sobre a escola pública. A complexidade das nossas sociedades requere mais e melhores respostas às solicitações da instituição escolar.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Xosé Barrar Sánchez
Secretário-geral da Federación de Enseñanza galega das Comisiones Obreras (CC OO)
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Xosé Barrar Sánchez
Secretário-geral da Federación de Enseñanza galega das Comisiones Obreras (CC OO)
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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