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O financiamento do ensino superior

A educação, a formação de nível elevado e a investigação são hoje reconhecidas como factores de equidade social mas, também, como vectores da eficácia micro e macro-económica. É importante compreender que uma das características essenciais da educação é a sua capacidade para gerar externalidades, o que a distingue de um bem privado.

O conceito de externalidade é utilizado para comparar os benefícios privados e sociais de uma actividade e corresponde, tecnicamente, ao benefício recebido pela sociedade para além do benefício privado do indivíduo. As vantagens externas da educação são múltiplas, podendo citar-se, entre outras, a transmissão dos valores culturais, a coesão social, a coesão intergeracional, a mobilidade social e, ainda a diminuição da delinquência e da criminalidade.
É para evitar o risco de ver estas externalidades negligenciadas por mercados guiados apenas por benefícios privados e, provavelmente, vocacionados para acções de curto prazo, que a educação é principalmente financiada pelo sector público e que o seu consumo é obrigatório, pelo menos até uma certa idade.
É evidente que o ensino superior tem um custo e alguém tem que o suportar. Parece também evidente que os custos deverão ser repartidos por três fontes principais: os contribuintes (uma vez que o ensino superior é estratégico para o desenvolvimento económico do país), os pais (que têm responsabilidades na formação dos seus descendentes) e os alunos (uma vez que para muitos estudantes o ensino superior é um investimento privado proveitoso, permitindo dividendos económicos reais que estão acima dos fornecidos por outros investimentos de longo prazo). Um corolário básico desta hipótese é que uma diminuição da contribuição de uma das fontes acarretará um aumento equivalente das contribuições das outras ou, então, uma alteração ainda mais fundamental, tal como uma redução do sistema ou da sua qualidade, uma diminuição do apoio social aos alunos ou uma alteração do perfil sócio-económico dos estudantes. O problema reside em encontrar uma repartição justa dos custos entre pais, alunos e contribuintes.
O conceito de equidade é associado pelos economistas à forma como os recursos são distribuídos pela sociedade, sendo usual distinguir entre equidade horizontal, no sentido do tratamento igual dos indivíduos iguais, e equidade vertical, no sentido do tratamento desigual de indivíduos desiguais. Este último conceito é muito pertinente no que concerne à educação, já que uma das suas missões é oferecer igualdade de oportunidades às crianças e aos jovens provenientes de meios sócio-económicos diferentes.
Mas deve, também, referir-se a equidade intergeracional, ou seja, a partilha de recursos e a distribuição de encargos entre gerações, aspecto sem dúvida relevante quanto à distribuição dos custos da educação, onde se inclui a famigerada questão das propinas. É que a geração trabalhadora actual, ao passar parte dos custos do ensino para as gerações futuras, não deve esquecer que espera que estas venham a pagar as suas pensões de aposentação.
Não admira que em muitos países esta questão tenha originado um grande debate público sobre a repartição dos custos do sistema e sobre os efeitos das diversas soluções sobre as taxas de participação, em particular no que se refere aos alunos provenientes de classes mais desfavorecidas, mulheres, minorias étnicas e alunos mais velhos.
a solução não é fácil, uma vez que não é possível uma divisão tradicional dos benefícios em termos de público e privado, nem essa divisão é previsível a partir da ideologia sócio-económica do governo do país.
Há porém um facto que deve pesar na decisão final: os alunos do ensino superior são provenientes, em grande percentagem, das classes mais privilegiadas e este facto não foi alterado pela grande expansão do sistema (impropriamente chamada democratização do ensino superior).
Na Austrália uma Comissão nomeada pelo Governo (1984) para estudar o problema, verificou que passados dez anos sem propinas continuavam a ter acesso às universidades 43% dos filhos provenientes de famílias de profissionais, contra apenas 9% provenientes de famílias de trabalhadores, o que levou a Comissão a concluir que ?o sistema de ensino superior gratuito beneficia desproporcionadamente os estudantes oriundos das classes mais ricas e é grandemente financiado pelos contribuintes, muitos dos quais têm expectativas de rendimentos inferiores aos dos altamente privilegiados  detentores de licenciaturas universitárias.?
Por estes motivos, em muitos países, tem-se optado por não aumentar a carga dos contribuintes, fazendo, também, participar os alunos, por serem os beneficiários directos do sistema; por isso, a criação de um sistema de propinas, tem sido associada a sistemas de empréstimos que os alunos terão que pagar, uma vez iniciada a sua vida profissional. Na generalidade dos casos, esse pagamento é feito por meio de uma taxa adicional no IRS (ou, em alternativa, nos descontos para a Segurança Social) o que é socialmente justo: se o aluno obtém um emprego altamente remunerado o pagamento será rápido, ficando suspenso em caso de desemprego ou de remuneração muito baixa.


  
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior
Alberto Amaral
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior

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