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Espelho diante de espelho: sobre a associação tecnologias e desenvolvimento

Parece difícil discutir actualmente alguns temas com «objectividade analítica». As dificuldades não resultam da inexistência de disponibilidade para o fazer, mas de outros factores. Factores que vão desde as «celebrações» em torno de opções teóricas semelhantes «aos ritos da infalibilidade papal» a posturas que sucumbem ao enviesamento impressionista. Tal é o que, como reflexo deste último caso, se passa com o tema das novas tecnologias e do desenvolvimento. Entendamo-nos.

Duas ?formulações passadas? têm sido ? implícita e explicitamente -  indutoras da associação que, nos dias que correm, se faz entre tecnologias e desenvolvimento. Uma é a que tem origem na ideia de «acumulação desregulada de riquezas», a qual assim se apresenta sob a justifica de proporcionar oportunidades de melhorias individuais para todos. Tenha-se aqui presente que, no seu «A Riqueza das Nações», Adam Smith ensinava que ?a busca do interesse individual é a mola propulsora do bem-estar colectivo?. A segunda formulação tem a ver com as ?etapas rostowianas?, isto é, com a ideia de que os países seguem um caminho linear, passando pelas mesmas etapas, em direcção ao desenvolvimento.   
Evidentemente que as coisas não se passaram assim. E chega a ser até cansativo repisar o assunto. A busca desenfreada por acumulação de riquezas dizimou povos e culturas, e mais do que isto: expôs toda a humanidade aos perigos das catástrofes ecológicas. Quanto às etapas de Rostow, como bem o mostraram os cientistas sociais da Teoria da Dependência, revelou-se uma ideia tão sem sustentação que  parece servir mais a propósitos de carácter ideológico. E seria insistir em «mais do mesmo» se abríssemos outra frente de argumentação para realçar que com a crise, nos anos 1970, dos mecanismos que foram accionados para gerir a crise dos anos 1930, a própria noção de desenvolvimento, como era até então concebida, foi posta em causa.
É, portanto, para dizer o mínimo, contraproducente a forma como tem sido realizada a associação entre as chamadas novas tecnologias e o desenvolvimento. Ao fim e ao cabo, o que se faz é um apelo cego a um tipo de desenvolvimento que, agora mais do que antes, impulsionado instrumentalmente pelo potencial da técnica, avance desmedidamente para, descurando o meio ambiente, realizar a acumulação material. Ainda não conhecemos as sensibilidades ecológicas do discurso da produtividade. De outra parte, o reverso da associação é a apresentação do «desenvolvimento linear», das etapas, como se um país pudesse fazer isso «totalmente» livre dos imperativos das relações de poder que hierarquizam internacionalmente os Estados e as suas economias. Enfim, uma espécie de «espelho diante de espelho», onde a fiabilidade dos reflexos assenta no facto de nada traduzirem.
Dessa forma, parece fazer sentido operar uma inversão discursiva em volta da mencionada associação, como forma de a deslocar para a perspectiva de um «outro desenvolvimento». Explicamo-nos em poucas palavras. Um desenvolvimento que, pressupondo mais igualdade, requer maior participação cívica  em suas decisões e, ao mesmo tempo, uma substantiva racionalidade social no emprego dos recursos, na utilização do espaço, na selecção de tecnologias e no estudo atencioso dos impactos negativos que o crescimento económico possa ter sobre o meio ambiente.
Ou seja, trata-se de um desenvolvimento que, como tem sido denominado, é «ecodesenvolvimento». E mesmo que surja na esfera económica, ele aflui para o plano político-social consubstanciado na convicção de que a existência e a integridade humanas dependem de um «contracto» e de um «agir» que só podem ser colectivos.


  
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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