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Escolas Básicas Integradas: Retrato de uma experiência

Foram concebidas para funcionar numa lógica de integração curricular e proporcionar aos alunos um modelo sequencial de aprendizagem. As escolas básicas integradas (EBI) iniciaram a sua experiência há dez anos, mas pouco ou nada se vai sabendo sobre ela. A PÁGINA foi falar com a comunidade educativa da EBI 1,2,3/JI da Barranha, em Matosinhos, procurar saber como decorre o projecto desta escola.

À partida parece uma escola igual a tantas outras. É quando nos deparamos com crianças dos quatro aos quinze anos cruzando-se lado a lado nos corredores que as diferenças começam a saltar à vista. Esta convivência entre alunos de tenra idade e mais graúdos poderá parecer estranha a quem não está familiarizado com ela, mas é precisamente uma das características que reflecte as particularidades das EBI relativamente a outros estabelecimentos de ensino: um percurso sequencial de aprendizagem que começa pelo jardim de infância (daí o "JI" da escola da Barranha) e se prolonga até ao 9º ano, dando um sentido mais amplo ao conceito de escolaridade básica.
Apesar de a tipologia da Barranha poder ser referida como um "modelo", nem todas as EBI obedecem à mesma estrutura. As escolas integradas podem variar de organização - e, logo, de terminologia -, consoante o contexto sócio-geográfico em que se inserem e em função dos objectivos educativos que pretendem atingir. A única característica comum é o facto de concentrarem diferentes níveis de ensino num mesmo espaço físico (podendo algumas incluir o ensino secundário), e uma mesma filosofia: garantir a coerência e a continuidade dos diferentes ciclos de aprendizagem.
Para concretizar este objectivo é indispensável um processo permanente de partilha de saberes e de experiências entre todos os docentes. Esse, aliás, é "o único meio para se construir um projecto sólido e coerente", como explica Arménio Martinho, presidente do conselho executivo.
Há três anos a escola foi avaliada por uma equipa do Ministério da Educação (ME) e a apreciação global foi considerada "muito positiva", especialmente no que se referia ao capítulo do projecto educativo ali desenvolvido e à elevada taxa de aproveitamento escolar. 
Apesar de reconhecer que o sucesso de uma escola não se baseia exclusivamente nos números ("não basta dizermos quantos alunos completaram com sucesso o 9º ano, é importante sabermos quem se tornaram e que competências adquiriram"), diz -, aquele responsável orgulha-se do facto de a escola possuir uma taxa de aproveitamento superior a noventa por cento, colocando-a acima da média nacional, e refere que esse é um bom exemplo do trabalho que ali tem vindo a ser feito.
Na opinião da equipa de inspectores que ali se deslocou, porém, o aspecto menos conseguido foi precisamente aquele que reflecte a necessidade de um trabalho de equipa mais profundo e aturado: a integração curricular entre os diferentes ciclos. "Logo no primeiro dia, antes de iniciarmos o processo de avaliação, admiti que existia um sentimento de certa frustração por ainda não termos conseguido atingir um patamar de excelência, tal qual tínhamos idealizado no início do projecto. Mas este é um trabalho de persistência, que leva algum tempo a produzir efeitos", sublinha.
A falta de estabilidade do corpo docente é um dos factores que, na sua opinião, contribuiu em maior medida para essa falha. É que a escola nunca conseguiu estabilizar o corpo docente a mais de 80 por cento e tal acabou por reflectir-se negativamente na coerência do projecto curricular.
Mas não é apenas no plano da afectação de recursos humanos que este responsável encontra motivos para as debilidades apontadas pela equipa do ME. Na sua opinião, continua a ser difícil quebrar "barreiras culturais" numa classe que, por tradição, manifesta ainda um certo "estatuto corporativo". Uma "luta difícil", admite, que só se vence incentivando os professores a despirem preconceitos e assumirem-se, acima de tudo, como agentes de ensino que devem trabalhar em equipa.

Partilha de saberes

Os professores, como Natalina Gradivo, do 3º ciclo, reconhecem que a plena articulação curricular é um dos passos mais difíceis de concretizar num projecto desta natureza, porque, acima de tudo, "depende de pessoas" e há ainda quem prefira trabalhar no seu "cantinho". O resultado pode não ser, para  já, o idealizado, mas há uma procura contínua de partilha de saberes e de experiências, diz. "Aqui sabemos o que os alunos fazem desde a pré-primária ao 9º ano e isso ajuda a criar outro espírito e método de trabalho".
Maria José Brandão, docente do 2º ciclo, admite também a existência de colegas que ainda não se tenham conseguido adaptar a este tipo de organização, mas garante que existe o tal espírito de partilha que permite prosseguir um trabalho colectivo. Prova disso mesmo é o facto de ter passado por várias escolas ao longo dos últimos 19 anos, mas só aqui ter o sentimento de pertencer a uma "grande família".
Na opinião desta docente, é indispensável que os professores tomem consciência de que são cada vez mais autónomos em termos de trabalho com os alunos e que, nesse sentido, deverão sentir-se menos dependentes de directrizes emanadas do topo para levarem a cabo as suas tarefas. Quanto mais autónomos e criativos forem, mais facilmente os professores podem passar esse espírito às crianças, explica. "É esta a escola que a nossa geração não teve e que fez de nós cidadãos temerosos e pouco autónomos". Por isso, mais do que ensinar matéria importa indicar "caminhos" aos alunos. "É essa filosofia que estas escolas pretendem transmitir e penso que o sistema educativo deve tirar partido dela".
É para criar condições que permitam aperfeiçoar esta prática que os departamentos curriculares de cada ciclo se reúnem uma vez por mês, elaborando directivas que servirão para o conselho de turma delinear  percursos curriculares autónomos e adaptados às necessidades de cada grupo de alunos.
"Além das reuniões de avaliação periódicas, existe também a preocupação de fazer um balanço geral no final do ano lectivo para, no ano seguinte, se adequarem metodologias que permitam corrigir aspectos menos trabalhados da integração curricular". Quem o diz é Maria da Conceição Cabeças, professora do 1º ciclo, contando que esta experiência não é propriamente nova para si. Antes de vir para a Barranha trabalhou durante 17 anos num colégio particular que já mantinha práticas semelhantes e não tem dúvidas em afirmar que esta é a melhor forma de trabalhar na escola.  Apesar de, à semelhança das colegas, admitir que ainda se pode melhorar o trabalho realizado, a opinião geral é de que se "caminha no bom sentido".

Uma "escola diferente"

A EBI da Barranha oferece um conjunto de actividades extra-curriculares  que funcionam diariamente das 8,30 às 18,30, ao longo de todo o ano lectivo, onde se inclui expressão dramática, canto coral, rancho folclórico, prática desportiva, bem como clubes dedicados às novas tecnologias e à ecologia. É uma maneira de atrair os miúdos à escola fora do período normal de aulas, ajudando a torná-la um bocadinho mais "deles".
Para complementar esta oferta existe também um centro de recursos, equipado com uma biblioteca - integrada na rede nacional criada pelo ministério da educação - e um espaço polivalente que inclui uma área com computadores de livre acesso. A sala é confortável, tem uma boa luminosidade, não admirando, por isso, que pelo menos uma dúzia de miúdos de diferentes idades se entretivessem a pesquisar informação, a ler ou a jogar quando lá entramos.
Foi lá que travamos conhecimento com a Cláudia, o André e a Daniela, alunos do 7º ano, todos com 13 anos, com quem conversamos sobre as especificidades de uma escola integrada e do modo como ela marca o percurso escolar. A curiosidade acerca do relacionamento com os miúdos do pré-escolar é inevitável, tendo sido a primeira questão lançada pelo jornalista.
A Cláudia, a mais espontânea dos três, inicia com facilidade a conversa. "É giro... Eu gosto muito de crianças e não me importo nada de conviver com eles. São queridos e é por isso que os alunos mais velhos os protegem sempre", diz com um grande sorriso, numa opinião aparentemente partilhada pelos colegas. O convívio intergeracional, aliás parece ter efeitos positivos sobre o relacionamento entre os alunos, já que por aqui os casos de indisciplina são raros.
Sente-se pelo discurso que o relacionamento com os professores é de grande proximidade. Contam que as professoras dos anos anteriores gostam de se informar acerca do seu percurso, e eles próprios - mais a Cláudia e a Daniela do que o André, rapaz de poucas palavras - admitem gostar de lhes contar as últimas novidades, partilhando, por exemplo, os resultados dos testes ou a opinião acerca de uma nova professora. Enfim, "uma escola diferente", como resume a Daniela, garantindo que não a trocava por outra.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 122
Ano 12, Abril 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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