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Uma voz amiga

Algures no Porto há um telefone que ajuda à introspecção

Quem telefona não precisa de dizer quem é. Quem atende prefere não ser identificado. A conversa fica entre os dois e só acaba quando quem liga desliga o telefone. Trata-se de uma linha telefónica de apoio à depressão e de prevenção do suicídio. Desde 1981, o Telefone da Amizade toca algures na cidade do Porto.

Muitos são os caminhos que levam à depressão e ao suicídio. Tantos quantas as razões que levam alguem a ligar para o Telefone da Amizade (TA): solidão, luto, perda afectiva, dificuldades com relacionamentos, problemas no trabalho, falta de emprego. Uma das 30 vozes voluntárias que se ouvem ao telefone é a de Lúcia (nome fictício) 39 anos. O pedido de não identificação dos voluntários nem da sede do serviço revela o que numa linha de apoio à depressão e de prevenção do suicídio é mais importante: o anonimato.  As razões são obvias: ?É essencial mostrar que merecemos a confiança de quem nos liga?, explica Lúcia. É com base nesse sentimento que toda a conversa se desenrola.
Através de um discurso empático quem atende cria um clima favorável à introspecção. Lúcia acredita que toda a importância do serviço que também direcciona assenta na particularidade de ?ajudar quem liga a reflectir sobre si próprio e sobre a situação em que se encontra?. Se ajudaram ou não? ?Ficamos sem saber?, sorri. ?Ás vezes as pessoas telefonam e dizem: Telefonei para aí uma vez tinha este problema e vocês ajudaram-me imenso!? Salvo estas excepções, conclui: ?Quando a pessoa desliga o telefone ficamos no vazio.? 
Ao longo de 23 anos de voluntariado no Telefone da Amizade, Lúcia conheceu bastantes dramas.  Como os casos em que detecta em quem lhe telefona uma vontade de suicídio. A experiência diz-lhe que ?se as pessoas tivessem um botão na cabeça, muitas já o teriam desligado.? Ainda assim ?o processo de suicídio é muito solitário e as pessoas não querem morrer mas sentem uma extrema dificuldade em continuar a viver naquela situação?, reconhece. Por isso, é natural que grande parte das intenções se fiquem mesmo por aí.
Lúcia é também advogada, mas podia ser outra coisa qualquer. A actuação do TA está ?fora do contexto terapêutico e diagnostico?, alerta. Por isso a formação académica não é importante. Até porque antes de atender o telefone, o candidato a voluntário passa por uma série de exames e obtem formação para o tipo de serviço que presta. O discurso de quem está do lado de cá da linha tem de ser treinado para evitar os lugares-comuns. Frases como ?deixe lá isso?, ?não pense nisso? ou ?não estará a exagerar? são completamente interditas.
Apesar de não se tratar de uma linha terapêutica, a hipótese de encaminhamento do utente da linha para outro tipo de serviço de caracter médico não está excluída. Mas só quando solicitado e nunca por sugestão dos voluntários do TA. Sobre este aspecto Lúcia esclaresse que ?não há, da parte de quem atende, nenhuma tentativa de manipular a pessoa que está numa situação difícil.? Há apenas uma conversa. E várias histórias anónimas.

Telefone da Amizade
Serviço de atendimento: precisam de voluntários (com mais de 21 anos)
Apartado 4857
4014 Porto Codex


  
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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