Nascido na Figueira da Foz em 25 de Fevereiro de 1903 e falecido em Lisboa em Janeiro de 1987, João Gaspar Simões foi crítico literário, mas também dramaturgo, romancista, ensaísta e historiador da Literatura Portuguesa num percurso que se estendeu quase por sessenta anos bem contados. Polémico e ousado nas suas opiniões críticas e estéticas desde os tempos da revista Presença, que em 1928 fundou em Coimbra com José Régio e Branquinho da Fonseca, o autor da História do Romance Português nunca deixou de ser um dedicado estudioso do fenómeno literário e criador, impondo-se pela sua coerência e honestidade crítica, indiferente aos muitos remoques ou até insultos com que tantas vezes foi mimoseado. Primeiro como leitor entusiasta e depois como autor e crítico, João Gaspar Simões desempenhou, durante toda a sua permanente e fecunda actividade em jornais e revistas literárias, um papel que foi único na cultura portuguesa do século passado e ao longo dos anos o seu nome e a sua influência afirmou-se em todos os quadrantes da nossa literatura. Ambíguo e contraditório, mas independente, lúcido e quase sempre muito atento, João Gaspar Simões congregou em si mesmo todos os defeitos e virtudes da função crítica por entre muitos sobressaltos e dificuldades. Contam-se por várias e variadas as polémicas em que teve de intervir, foram diversos os ataques pessoais à sua própria acção crítica, mas foram muitos mais os momentos que guardou de reconhecida atenção por parte de tantos autores, como confessa Pessoa numa carta de de 26 de Junho de 1929, a propósito de Temas, um livro de ensaios em que Gaspar Simões publicou talvez um dos primeiros estudos sobre a poesia pessoana: Venho agradecer-lhe o seu livro Temas e não sei como lhe agradecer o estudo com que nele me honra. (...) Escreverei por ora, só do coração, e para assinalar o quanto me comoveu o estudo em me analisa. Sou, como é de ver, incompetente pelo desconhecimento íntimo que cada um, por lúcido que seja, tem de si mesmo, para medir com metro objectivo qual seja a porção de justiça abstracta com que concluiu a meu respeito. (...) Comoveu-me, digo, o seu estudo porque me trata como realidade espiritual e, por assim dizer, reconhece a minha existência como nação independente?. Ainda hoje, sim, não há badanas, anúncios, folhetos ou contracapas de livros que não se transcrevam (em autores de todas as tendências e opções estéticas) as opiniões mais ?simpáticas? ou ?favoráveis? do autor de Novos Temas. Os quase sessenta anos de intensa actividade crítica foram muitos para um só homem (que acabou mesmo por ficar mais só nos anos derradeiros de vida) e tantas vezes foi vilipendiado sem razão, porque alguns não lhe regatearam insultos quando teve a coragem de dizer mal de A ou de B, condenar o livro X ou Z: o Sainte-Beuve da Figueira ou o Moniz Barreto da Calçada das Necessidades, o crítico ?impressionista?, ?ultrapassado? ou ?arqueológico?, ou mais isto e mais aquilo, a verdade é que todos, cada qual a seu modo, tiraram partido e proveito do que João Gaspar Simões colocava em evidência, deixando na sombra os aspectos negativos que como crítico também salientava. Mas ~eram esses realmente os espinhos do crítico: é preciso ter muita coragem para aguentar e cumprir, através do exercício activo em muitos anos, o desempenho da crítica nesta terra em que saber criticar e saber aceitar as críticas sempre andou muito por baixo ou não é do nosso feitio. No entanto, com razão ou sem ela, ninguém pode retirar a João Gaspar Simões um dos seus maiores méritos: o de ter sabido, nos altos e baixos da acção literária e crítica, mesmo com as frequentes contradições dos juízos críticos, na sua proclamada e constante teimosia em relação a valores estéticos que desde sempre defendeu, realizar a verdadeira função do crítico - ou seja, dizer em voz alta com o que estava ou não de acordo, o que era bom ou mau, o que era ter talento e o que não passava de uma simples mediocridade apadrinhada por compradios de outra ordem. E foi essa verdadeiramente a função da crítica em João Gaspar Simões: a de ter estado atento a tudo, não deixar passar em claro ou sem uma referência qualquer obra literária de qualidade. E mais ainda: soube preservar dos ?maus fados? da nossa cultura um direito quase indipensável - o de saber assumir em termos profissionais uma actividade que teve e sempre tem os seus riscos. Mas, para se avaliar do valor e importância da obra realizada pelo autor de Vestido de Noiva, vale a pena ter em conta a sua própria actividade criadora e literária como escritor, crítico, ensaísta e tradutor. Neste 2003 e na memória dos cem anos do seu nascimento, impõe--se evocar o exemplo e a obra de João Gaspar Simões e esperar que as suas obras sejam reeditadas ou estudado como merece o espólio literário (ou grande parte dele) que está silenciado numa sala com o seu próprio nome no Museu Municipal Santos Rocha, nessa Figueira da Foz onde nasceu e passou bons períodos de férias.
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