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A reforma curricular no ensino secundário e a extinção do curso tecnológico de mecânica

Esta pretensão ministerial, que tanto toca todos os colegas da área de Mecânica ( 2º Grupo-A e 12º Grupo-A ), surge na continuação de muitas outras anunciadas por sucessivos ministros da educação ao longo das últimas décadas e que com certeza não chocaram da mesma maneira muitos colegas, porque aparentemente não lhes diziam tão directamente respeito.

Há dois factores absolutamente letais que fazem com que medidas deste tipo surjam e que justificam o atraso que se verifica no nosso País ao nível da educação dos cidadãos e ao nível da qualificação profissional e do desenvolvimento tecnológico:

? Nos últimos vinte e cinco anos o nosso País nunca teve uma Política Educativa coerente, com objectivos bem definidos e um período de vigência mais ou menos programado, que pudesse desenvolver-se mais depressa ou mais devagar, conforme os sucessivos governos do País, mas que mantivesse sempre o seu rumo. Aquilo que temos tido sempre são apenas Medidas Educativas, completamente subsidiárias de Políticas Económicas e Financeiras de momento e ainda de estratégias políticas dos sucessivos governos, que se sucedem por vezes a ritmo alucinante para padrões de tempo histórico, sem que se faça qualquer avaliação do efeito das medidas tomadas anteriormente;

? No mesmo período de tempo e na generalidade dos sucessivos governos sempre se evidenciou a falta de coordenação entre as políticas dos diferentes ministérios, não sendo nada difícil encontrar declarações completamente contraditórias entre responsáveis de pastas como a Educação, a Economia, o Trabalho e o Emprego;
Tentarei mostrar que são fundamentalmente estes dois factores que estão por trás desta pretensão de extinção do Curso Tecnológico de Mecânica:

? Tem sido repetidamente dito ao nível dos responsáveis da Economia e do Emprego que o desenvolvimento do País e a sua aproximação ao nível dos outros parceiros comunitários, passa por modificações estruturais na nossa indústria, com o empenho e investimento na qualidade e em tecnologias de ponta, abandonando o recurso a mão-de-obra barata e pouco qualificada e apostando na formação de quadros intermédios. O vasto campo da Mecânica tem aqui um papel fundamental e insubstituível. Como resposta a este desafio essencial o Ministério da Educação extingue o Curso Tecnológico de Mecânica do ensino secundário;

? Já há alguns anos que especialistas em Trabalho e Emprego afirmam que áreas como a Electrónica e a Informática, no campo das Novas Tecnologias, deixam de fazer grande sentido como áreas puras de formação, mas passam a fazer todo o sentido como áreas de aplicação ao desenvolvimento e modernização tecnológicos na indústria e consequentemente no vasto campo da Mecânica aí predominante. Como resposta, o Ministério da Educação mantém os Cursos Tecnológicos de Electricidade/Electrónica e de Informática, mas extingue o Curso Tecnológico de Mecânica;

? Ao nível do acesso ao Ensino Superior os cursos de engenharia são dos que têm apresentado médias de ingresso mais acessíveis porque a oferta de cursos continua a ser maior que a procura. Os engenheiros recém-formados não têm dificuldades em arranjar emprego logo à saída das faculdades. É opinião generalizada ao nível das instituições de ensino superior que os alunos do Curso Tecnológico de Mecânica apresentam uma preparação que os alunos dos cursos de prosseguimento de estudos não têm. É fundamental e urgente que se formem quadros intermédios na vasta área de Mecânica. O número de escolas e centros profissionais que formam técnicos de nível III nesta área é bastante reduzido, tomando o País no seu todo. As escolas secundárias com o Curso Tecnológico de Mecânica asseguram as duas situações referidas anteriormente. Por um lado fornecem alunos aos cursos de engenharia do ensino superior, por outro lado formam técnicos com qualificação profissional de nível III, assegurando a realização de um estágio de três meses após o curso. Como resposta às necessidades o Ministério da Educação extingue o Curso Tecnológico de Mecânica;

? No dia 13 de Novembro de 2002 a nossa Escola foi convidada a levar os alunos do Curso Tecnológico de Mecânica à Exponor, numa acção organizada pelo CATIM ? Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica, sob o lema ?Metalurgia e Metalomecânica ? Um Sector com Futuro? e no âmbito da Exposição Internacional de Máquinas-Ferramenta. Esta acção teve o apoio da AIMMAP ? Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, da ANEM ? Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Metalomecânicas, do Instituto de Emprego e Formação Profissional, do Ministério do Emprego e ainda o alto patrocínio do Sr. Presidente da República. Após uma visita à Exposição, mais de mil alunos provenientes de escolas de diferentes pontos do País, todos da área de Mecânica, foram concentrados no grande auditório, sendo incentivados por responsáveis das diferentes entidades referidas anteriormente a prosseguir com éxito os seus estudos. Também as escolas foram incentivadas a promover os cursos da área de Mecânica. No prosseguimento destes esforços o Ministério da Educação pretende extinguir o Curso Tecnológico de Mecânica;

? Adoptando uma postura de tentar compreender alguns especialistas de gabinete em pedagogia, cujas teorias são aproveitadas pelo Ministério da Educação quando convém, poder-se-ia hesitar perante um postulado do estilo ? ?A formação académica no ensino secundário deve ter um carácter mais generalista não entrando em especializações técnicas da competência de outras instituições ou graus de ensino?. Mas, neste caso, porque é que na proposta do Ministério da Educação continuam a existir, por exemplo, os Cursos Tecnológicos de Electricidade/Electrónica e de Informática? Mais ainda, pretende o Ministério da Educação alargar a atribuição da qualificação profissional de nível III a todos os alunos, obrigando todos a fazer o estágio em empresa, para que tenham os cursos tecnológicos concluídos;

? Verificando-se a falta de fundamentação do argumento anterior, só resta tentar encontrar uma outra justificação para a pretensão do Ministério da Educação. As turmas do Curso Tecnológico de Mecânica das nossas escolas têm poucos alunos. É um facto que as turmas das áreas tecnológicas mais tradicionais ? Electricidade e Mecânica ? têm menos alunos inscritos do que as outras áreas. Este facto não deve ser imputado às escolas, que tudo fazem para divulgar os cursos, mas sim às medidas educativas dos sucessivos governos das últimas décadas. Muito do atraso que apresentamos em relação a sistemas educativos de outros países deve-se a uma confusão básica dos nossos dirigentes políticos em torno de dois conceitos: ?igualdade de oportunidades no acesso à Educação? e ?uma Educação igual para todos?. São conceitos completamente distintos, mas muitos dos nossos governantes, daltònicamente, a pensar no primeiro conceito acabaram por aplicar o segundo. Ao longo de sucessivos anos a prática educativa acabou por incutir, sobretudo nos encarregados de educação mas também nos alunos, a ideia de que o ensino secundário servia na melhor das hipóteses para levar os alunos ao ensino superior e na pior das hipóteses para dar um emprego ?limpo? atrás de uma secretária, de preferência com um computador em cima. Daí a falta que se faz sentir no nosso País de técnicos intermédios e a pouca procura de cursos que à primeira vista não são socialmente muito bem vistos. Perante estes factos só há dois caminhos a seguir. Procurar combater o atraso tecnológico e seguir o caminho do desenvolvimento, incentivando e promovendo os cursos da área de Mecânica, como propuseram os promotores da acção ?Metalurgia e Metalomecânica ? Um Sector com Futuro?, no dia 13 de Novembro de 2002 na Exponor, é a opção lógica e certa. Navegar na estagnação, enterrando a cabeça na areia e tomando a posição que de imediato é mais fácil, extinguindo o curso Tecnológico de Mecânica, é a opção do Ministério da Educação;

? Por fim, surge o fantasma tutelar da Sra. Ministra das Finanças que desencadeia um último possível argumento a favor da extinção. O Curso Tecnológico de Mecânica fica muito caro ao Estado devido ao investimento que é necessário fazer em equipamento e materiais. Mas, neste caso, porque é tomada agora esta decisão e não há dez ou cinco anos atrás? É que o Ministério da Educação nunca investiu de uma forma séria nos equipamentos dos cursos tecnológicos e particularmente na área de Mecânica nas duas últimas décadas. Na generalidade, o pouco equipamento fornecido às escolas foi sempre de fraca qualidade e tecnològicamente pouco evoluído. O grosso do reapetrechamento e modernização foi conseguido nos últimos quinze anos graças ao trabalho dedicado dos conselhos executivos das escolas e dos colegas do 2º Grupo-A e 12º Grupo-A que, através de sucessivas candidaturas a programas do Fundo Social Europeu, foram suprimindo as enormes lacunas existentes a nível laboratorial e oficinal. Será que a decisão é tomada agora porque em 2006 acabam os programas comunitários e o Ministério da Educação não vê forma de se assumir como alternativa às fontes actuais de financiamento, diluindo e disfarçando no tempo, aos olhos dos interessados e da opinião pública, a relação causa-efeito?
Em jeito de conclusão pode-se afirmar que esta decisão a ser tomada terá efeitos profundamente negativos a nível da Educação, sector há muito tempo sem rumo no nosso País e que continuará hipotecado enquanto for considerado um fardo de despesas e não um sector estratégico de desenvolvimento. Estes efeitos nefastos transmitir-se-ão inevitàvelmente ao sector produtivo, com reflexos imediatos no desenvolvimento tecnológico e na qualidade dos serviços prestados.
Infelizmente pressinto que nada disto afligirá significativamente os nossos governantes. Continuarão a aparecer nos telejornais, sorridentes, gabando as virtudes do desenvolvimento tecnológico de meia dúzia de empresas visitadas e apontadas à opinião pública como exemplos, ao mesmo tempo que em todo o País a grande maioria das empresas se continuará a arrastar em situação de desvantagem na concorrência aberta com as congéneres de outros países, aproveitando o último fôlego pouco edificante da mão de obra barata, enquanto não chegam os processos de falência, umas vezes fraudulentas, outras vezes inevitáveis.


  
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Noel Maria Carvalho de Miranda
Escola Secundária de Rocha Peixoto
Noel Maria Carvalho de Miranda
Escola Secundária de Rocha Peixoto

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