Página  >  Edições  >  N.º 120  >  O neoliberalismo transporta um fascínio gestionário

O neoliberalismo transporta um fascínio gestionário

O Governo destruiu a confiança das pessoas. Como neoliberais que são, julgam que todos os problemas se resolvem por alterações dos aspectos gestionários. O seu modelo de gestão é repressivo, normativo, impositivo. Estão convencidos que a qualidade e o desenvolvimento  se alcançam  através do jogo do prémio e do castigo.

A confiança é uma das bases do desenvolvimento social e humano. As pessoas e as sociedades, para progredirem, necessitam de se sentir confiantes nos investimentos que fazem. E necessitam de sentir que confiam nelas. Os discursos catastrofistas e geradores de desconfiança, são negativos para o progresso, seja pessoal, seja social. Os professores sabem quanto é importante confiar nos seus alunos e deixar que estes sintam, com profundidade, que confiam e acreditam neles e nas suas capacidades.
O desenvolvimento humano e social precisam de outros ingredientes para além da confiança. A coesão social ou a coesão entre pares, é também um valor fundamental ao progresso. Uma sociedade não progride quando se apresenta socialmente fracturada. É por isso negativa toda a política que fomenta divisões e  conflitos entre a população de um país. A coesão social, promove a procura de objectivos comuns e provoca movimentos e esforços compensadores para as pessoas e para os grupos. Esta coesão é um elemento indispensável ao estabelecimento de acordos entre cidadãos. Acordos e relações sociais necessários às trocas que se estabelecem entre cidadãos estimulando a criatividade individual e a acção colectiva.
Por opção política do nosso actual Governo, a sociedade portuguesa atravessa uma fase de falta de confiança, de fractura social e de retrocesso no processo de desenvolvimento. O Governo, desde o início das suas funções, tem lançado sobre os portugueses e o país, um conjunto de discursos e de acções  todos convergindo na perda de confiança dos diferentes actores sociais. Querendo, entre outros objectivos, diminuir o valor do Estado e exaltar o valor do sector privado, o Governo lançou desde início um ataque particularmente agressivo aos trabalhadores da administração pública. Com este discurso provocou uma profunda fractura na sociedade portuguesa, entre trabalhadores do sector público e do privado, e desmotivou profundamente os primeiros para qualquer acção de mudança no sector onde trabalham.
O neoliberalismo apresenta um enorme fascínio gestionário sobre todo o campo social. Para os nossos actuais governantes, governar, é gerir. Note-se como para o  Governo, todos os problemas se resolvem através da introdução de novas regras de gestão. Os problemas da saúde, se os houver, resolvem-se com a introdução de novos modelos de gestão. A Administração Pública, a Justiça, a Segurança Social, recebem  a mesma receita. A educação básica, secundária ou superior, dizem, precisa de novos modelos de gestão. De gestão privada, ou melhor, repressiva, autoritária, normativa, impositiva, etc.
Para as escolas, este fascínio gestionário traduz-se na ideia de quebrar as relações de confiança entre pares. O Ministro da Educação entende que a «boa» gestão não admite relações dialécticas, mas apenas de um sentido: quem gere manda, quem não gere obedece e cala. Entende por isso ser fundamental eliminar todos os embriões democráticos que possam existir nas escolas e pauta-se pela peregrina ideia de que é punindo e premiando que se melhora a qualidade do trabalho no ensino.
O discurso e a prática do actual Governo são também uma mistura de Mao Tsetung com catolicismo asceta. Exaltam o sacrifício e condenam o prazer. Impõem o sacrifício ao povo, em nome das contas públicas, e esperam a caridade dos que beneficiam com esta política. O voluntarioso maoista Durão Barroso e o espantado católico asceta Bagão Félix, fazem bem a síntese e a imagem do actual poder estabelecido. Uma mistura de neoliberalismo burocrata com água benta.
Estes neoliberais perfumados com incenso e água benta, apontam a gestão como os profetas apontam o caminho da salvação. Mas estão enganados no caminho. Hoje, como é público e notório, os problemas sociais tendem a ser transformados em problemas escolares. Ou seja, tudo quanto é problema social é atirado para dentro das escolas. É por isso ainda mais espantoso que o Governo pense por as escolas a serem geridas, preferencialmente, pelos rapazes e raparigas das juventudes que colam cartazes em nome  dos partidos do actual Governo. Ou que considere que o gestor de uma loja de hortaliças é o gestor ideal para governar uma escola. Como se o fundamental fosse retirar a competência de gestão das escolas a quem as conhece e a entregar a quem as desconhece. Como se a escola ideal fosse aquela em que os professores são tidos como criados para todo o serviço às ordens de comissários políticos do Governo.
Com estas medidas, marcadas por este fervor gestionário e por esta política de galinheiro, onde quem manda é apenas o galo que canta, não vamos lá. É preciso dizê-lo, o número de vezes que fôr preciso, com clareza e onde fôr necessário. O país, pelo menos por enquanto, não é um galinheiro e ainda é democrático. Não serão uns quantos burocratas ignorantes que nos farão desistir do desenvolvimento que já se alcançou.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo