Página  >  Edições  >  N.º 120  >  Davos, Porto Alegre e a expansão do terceiro sector

Davos, Porto Alegre e a expansão do terceiro sector

No Fórum Económico Mundial (FEM) em Davos-Suiça os líderes do chamado primeiro mundo reflectem sobre problemas económicos e sociais sendo estes dominantemente equacionados  na óptica da racionalidade económica neoliberal e da globalização.
No III Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre ? Brasil, reúne-se um grupo heterogéneo de personalidades numa tentativa de chamar à atenção ao mundo da necessidade de se construir uma nova ordem económica mundial mais justa que seja uma alternativa à que impera no mundo.

Mais uma vez se estão a realizar, simultaneamente, o Fórum Económico Mundial (FEM)  em Davos- Suíça e o III Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre ? Brasil. No primeiro fórum, os líderes do chamado primeiro mundo reflectem sobre problemas económicos e sociais sendo estes dominantemente equacionados  na óptica da racionalidade económica neoliberal e da globalização que incorpora no seu domínio os interesses das empresas transnacionais e das elites políticas. À semelhança do que tem acontecido nos últimos fórums, provavelmente, o grande debate centrar-se-á na procura de soluções para a crise do capitalismo de onde surgirão, entre outras estratégias, medidas que reduzirão a intervenção social do Estado em diversas áreas e actividades. No segundo fórum, reúne-se um grupo heterogéneo de personalidades como  líderes de ONG, líderes de partidos políticos e de movimentos sociais, sindicalistas, intelectuais, numa tentativa de chamar à atenção ao mundo da necessidade de se construir uma nova ordem económica mundial mais justa que seja uma alternativa à que impera no mundo. A simultaneidade temporal destes eventos é intencional e este evento, ao contrário do que arautos do neoliberalismo fazem crer, tem o grande mérito de demonstrar que a discussão política entre as diferentes formas de organização económica, entre diferentes formas de distribuição dos recursos, entre diferentes visões sobre produção e consumo e entre diferentes definições do social e do político não está esgotada.
Vivemos momentos de grande défice de discussão política. A ?onda? neoliberal que se foi disseminando pelos países centrais instrumentalizou um conjunto de valores, práticas, sujeitos, instâncias que foi despolitizando os conflitos sociais  e desresponsabilizando a intervenção do Estado na resposta aos problemas sociais. De facto, temos observado em muitos países que a nova modalidade de resposta à questão social tem sido a retirada paulatina das políticas sociais da esfera do Estado e a sua transferência para o mercado e/ou para as organizações da sociedade civil, o chamado terceiro sector. As organizações do terceiro sector, segundo posições mais críticas, transformam a sociedade civil em meio para a reestruturação do capital, particularmente no que se refere à reforma da segurança social, dos sistemas de saúde e de educação. A funcionalidade do terceiro sector ao neoliberalismo consiste em torná-lo instrumento para atingir os seus objectivos. Associado ao discurso ideológico da virtualidade do terceiro sector tem surgido a defesa da solidariedade. Sendo este um dos grandes valores da modernidade, em torno do qual há, aparentemente, consenso universal, com alguma facilidade se torna ?presa fácil? na mão daqueles que comandam o mundo. Numa era de despolitização dos problemas sociais, os factores estruturais que geram as rupturas sociais são mais difíceis de identificar pelos cidadãos, o que permite um trabalho de dominação ideológica que transforma o valor da solidariedade numa estratégia de responsabilização individual dos cidadãos e da sociedade civil.
Neste cenário, o que pode significar o FSM que se está a realizar em Porto Alegre?  Não é nele que estão representadas muitas das ONG mundiais? Não é neste fórum que se tem defendido a expansão das organizações da sociedade civil e o reforço dos movimentos sociais? Afinal o que substancia ?a alternativa? tão apregoada? Alguns elementos, quer dos discursos quer das práticas, sugerem algumas diferenças. Deixarei para a próxima oportunidade que me derem para escrever neste espaço a reflexão em torno destas diferenças e a pertinência deste debate para a educação.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho
Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo