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Adultos no Ensino Superior: garantir um direito para colmatar uma injustiça
  1. A expansão da participação dos adultos em todo o sistema educativo e designadamente no ensino superior constitui um desafio fundamental para a sociedade portuguesa  e vem-se tornando um tema central nos debates técnicos e políticos sobre a educação.
    Para nos ajudar a ponderar as decisões políticas e as opções estratégicas a tomar nesta matéria temos de partir de dois princípios fundamentais. O primeiro é um axioma decisivo da educação de adultos: todos os adultos são portadores de competências. Em Portugal, este princípio tem que ser considerado com particular atenção, já que, por razões históricas bem conhecidas, há um desequilíbrio claro entre as estruturas das habilitações escolares e a das habilitações profissionais, que se manifesta, sobretudo nos mais velhos, numa generalizada subcertificação escolar, sinal de que os adultos, nomeadamente os activos, dispõem de um conjunto de competências adquiridas por via das experiências profissionais e de vida que precisamos de reconhecer e validar.
    Entrementes, é bom considerar que, na "sociedade de conhecimento" em que vivemos,  aquele princípio tem de ser sempre complementado por um outro, também essencial: todas as competências são sempre insuficientes e podem, por isso, ser melhoradas. Se queremos afirmar a educação ao longo da vida há que permitir aos adultos reflectir sobre os seus percursos e projectos de vida e proporcionar-lhes novas oportunidades educativas. É uma preocupação que ganha particular relevo num país que, no que diz respeito às qualificações escolares, apresenta uma forte fractura geracional, que penaliza as gerações mais velhas. Os quadros normativos e os processos de educação de adultos que desenvolvermos têm que considerar que as baixas qualificações, com esta dissonância entre gerações, são o nosso principal problema para garantir não só a sustentabilidade do sistema de emprego mas, de um modo mais abrangente, do próprio sistema de cidadania.
  2. É por isso que  a expansão das taxas de frequência dos estudantes mais velhos no ensino superior é uma aposta decisiva em Portugal. Este alargamento tem-se vindo a dar, mas continuamos, relativamente a este aspecto, muito aquém da maioria dos países desenvolvidos. É óbvio que todos (ou quase todos) os estudantes deste nível de ensino são já adultos. Agora, é necessário que aqueles que interromperam o seu percurso regular de formação tenham também a possibilidade de aceder ao ensino superior e que esta não lhes seja limitada às instituições de ensino e/ ou áreas de formação com procura insuficiente. Não estamos a procurar resolver problemas conjunturais de escassez de alunos nas instituições de ensino superior. A questão tem que ser encarada pela positiva, pois o que queremos é alargar as oportunidades de acesso ao ensino superior.
    É um desafio que precisa de esforços sérios por parte das instituições de ensino superior, mas que exige, também, iniciativas governamentais que os enquadrem e consolidem. Àquelas pede-se, designadamente: que construam novas modalidades de acesso dirigida aos adultos e processos adequados de reconhecimento e validação de competências; que desenvolvam cursos gerais ou disciplinas específicas  para apoiar o acesso de novos públicos ao ensino superior; que promovam a modularização das formações; que estimulem novas abordagens pedagógicas, recorrendo nomeadamente ao ensino à distância e o apoio tutorial; e que diversifiquem os modos e instrumentos de avaliação e classificação.
    Do governo, esperam-se medidas de estímulo à participação dos adultos no ensino superior, especialmente dos socialmente mais desfavorecidos, que favoreçam designadamente: a articulação entre o trabalho e a formação; o reconhecimento e validação de competências; a criação de serviços de orientação, a promoção de cursos para acesso de novos públicos; o desenvolvimento do ensino à distância.
    Temos ainda que diversificar as ofertas formativas no ensino superior, promovendo cursos de curta duração com diferentes configurações, os quais, desde que esteja instalado um sistema eficaz de validação, poderão, mesmo não conferindo um grau académico, atrair públicos cada vez mais alargados.
  3. Obviamente, uma expansão do ensino superior às gerações mais velhas tem implicações sérias que extravasam o sistema de ensino superior. Vamos desencadear práticas que vão obrigar a reequacionar, nomeadamente: as relações entre formação inicial e contínua e entre formação formal e não formal; a relação entre aprendizagens de cariz mais profissionalizante e aquelas que, ainda que com repercussões óbvias nas práticas profissionais, têm um carácter técnico, cultural e científico mais abrangente; o modo como articulamos a promoção de competências para a cidadania e para a empregabilidade; as relações entre reconhecimento, validação e promoção de competências e as políticas de trabalho, designadamente as políticas salariais ou as questões relacionadas com a mobilidade dos trabalhadores.
    Temos que ser determinados, mas também prudentes. Isso significa fazer coexistir, nas políticas e práticas de promoção educativa dos adultos, duas posturas intrinsecamente distintas, mas que não se querem antagónicas. Por um lado, a que apela a uma atitude crítica e reflexiva, capaz de perspectivar de um modo amplo e ambicioso o campo em que se move e de encarar sempre a possibilidade de soluções alternativas. Por outro lado, a que nos impele a centrar em prioridades, a tomar decisões, a confiar nas soluções adoptadas e a mobilizar a sociedade portuguesa para os desafios essenciais da educação de adultos e do desenvolvimento.

  
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Luís Areal Rothes
Escola Superior de Educação do Porto
Luís Areal Rothes
Escola Superior de Educação do Porto

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