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A escola pode esperar...

Encontramo-nos perante um dilema dramático, o da necessidade estratégica de qualificar os nossos jovens através do investimento na sua educação e formação e o da impossibilidade de o fazer através da universalização do Ensino Secundário, caso este não seja objecto de uma reforma educativa que o credibilize como um ciclo de ensino autónomo e terminal.

Que há mundo e um tempo para além da escola todos o sabemos. Até o ministro o reconhece quando afirmou - como o referimos no último texto por nós subscrito na PÁGINA - que os alunos do Ensino Secundário devem ter tempo para ?fazer tudo aquilo que um jovem dessa idade deve fazer e não faz?. De um discurso tão justo e inegavelmente sedutor bastou dar, então, um pequeno passo até se anunciar o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos, quanto mais não seja para calar as vozes daqueles que acusam o Ministério da Educação de seguir uma política de cortes, desinvestimento e marasmo.
Muito haveria a dizer sobre este estilo de governação inédito em que um ministro anuncia uma medida de fundo que só um muito futuro ministro poderá, um dia, vir a cumprir. Deixemos de lado, contudo, estes detalhes, bastante interessantes para os estrategas do marketing político, e focalizemos, mais uma vez, a nossa atenção na problemática do alargamento da escolaridade obrigatória. Encontramo-nos, importa reconhecê-lo, perante um dilema dramático, o da necessidade estratégica de qualificar os nossos jovens através do investimento na sua educação e formação e o da impossibilidade de o fazer através da universalização do Ensino Secundário, caso este não seja objecto de uma reforma educativa que o credibilize como um ciclo de ensino autónomo e terminal.
Tal como já o havíamos escrito, a manter-se tudo como está, e independentemente das mudanças cosméticas que se anunciam, muitos jovens serão socialmente sacrificados, quer através do abandono escolar em circunstâncias penosas, quer através da frequência de um qualquer curso dito profissional que nunca será reconhecido, hoje ou no futuro, no mercado de trabalho local ou global. 
Foi no decurso desta reflexão que nos lembramos do testemunho dramático de Nicolas Revol, que, há cerca de dois anos, a editora ?Campo das Letras? publicou sob o sugestivo título: ?Maldito Profe?, o qual pode ser entendido, se quiserem, como uma espécie de profecia à qual devemos prestar atenção. Nicolas Revol, era, na altura, um professor de ?Artes Aplicadas? num LEP, um Liceu de Ensino Profissional, o qual constitui uma alternativa que o sistema educativo francês proporciona, segundo Revol, a todos os ?alunos que foram definitivamente excluídos das carreiras ditas gerais? e que é quase sempre o depósito destinado ?a manter o máximo de tempo possível na escola aqueles e aquelas com os quais não se sabe o que fazer?. É que passados os dezasseis de idade, constata Nicolas Revol, ?o Estado prefere ver os jovens atrás de uma carteira do que atrás das grades?. Revol fala naturalmente dos ?deserdados?, daqueles que frequentam cursos como os de ?Animalaria, especialidade-laboratório?, ?Manutenção dos equipamentos de comando dos sistemas industriais?, ?Técnicas marítimas e conquiliocultura?, ?Agente de saneamento radioactivo?, ?Condutor de aparelhos ? Opção indústria farmacêutica? ou, entre outros, ?Tecnologia de manutenção dos artigos têxteis?.
Partindo do princípio que não nos encontramos perante um manancial de erros da tradutora, somos obrigados a confrontarmo-nos, então, com a natureza e o sentido de uma opção tão inequívoca no domínio das políticas educativas europeias que visam promover a obrigatoriedade escolar. Uma opção que recusamos porque, entre outras coisas, dissimula uma estratégia através da qual a escola contribui de forma respeitável para a exclusão social dos jovens que a frequentam. Uma opção que continuamos a recusar mesmo que, em nome do alargamento da universalização do Ensino Secundário, isso possa constituir um ganho, do ponto de vista do emprego, para os professores.
Esta é, contudo, uma discussão que seria interessante desencadear, quanto mais não seja para se equacionarem outras alternativas que, dentro e fora da escola, poderemos construir com o propósito de promover a qualificação dos jovens portugueses. Não se pode ficar refém de uma alternativa que faz depender, exclusivamente, tal qualificação do alargamento da escolaridade obrigatória. Em primeiro lugar porque, nas actuais circunstâncias, corria-se o risco sério desse alargamento concorrer para que muitos alunos fossem sujeitos, antes, a um processo de desqualificação e, em segundo lugar, porque se deve reconhecer que existem outros espaços e outros actores capazes de contribuir para que tal objectivo se concretize. Importa, por isso, não escolarizar nem a vida nem as possíveis alternativas a construir. Também neste caso, como nos relembra o título de um livro, recém-editado pela ASA, da autoria de Agostinho Ribeiro, ?A Escola pode esperar?. Importa até que saiba esperar, seja pelas crianças às quais esse livro se refere, os meninos e as meninas aos quais se permite que usufruam do espaço, do tempo e das actividades que acontecem no Jardim-de-Infância, seja pelos jovens que um dia, esperamos, possam vir a aceder a um Ensino Secundário credível e significativo, quaisquer que tenham sido as suas opções académicas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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