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Financiamento das universidades públicas

Não é das universidades que as finanças públicas se devem queixar. Bem pelo contrário, têm vindo buscar às universidades públicas, a meio do ano, os recursos para tapar os buracos que outros, noutros lados, abriram.

O financiamento das universidades é enquadrado, desde 1997, pela Lei nº 113/97 (Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior Público) que lhe define os objectivos e os princípios gerais e determina as diferentes componentes: o orçamento de funcionamento, o orçamento de investimento (definido em função dos Planos de Desenvolvimento e formalizado mediante a celebração de contratos de desenvolvimento), e o financiamento contratualizado através de Contratos-Programa, com vista à prossecução de objectivos concretos. Acrescem as Receitas Próprias que provêm, na sua maioria, das propinas e da celebração de contratos de investigação ou de prestação de serviços.
Quanto ao orçamento de funcionamento, o mecanismo de afectação anual das verbas às instituições do Ensino Superior é baseado numa metodologia precisa, racional e objectiva, baseada no número de ETI's, que tem sido considerado, a justo título, um factor de estabilização e de credibilização do sistema e um pilar essencial da autonomia universitária. Desde que este procedimento foi adoptado, deixou de haver derrapagens orçamentais nas universidades. Se toda a administração funcionasse da mesma forma, não haveria necessidade de orçamentos rectificativos. Não é, pois, das universidades que as finanças públicas se devem queixar. Bem pelo contrário, têm vindo buscar às universidades públicas, a meio do ano, os recursos para tapar os buracos que outros, noutros lados, abriram.
A avaliação muito positiva que se faz desta experiência não significa, no entanto, que se não critique os desvios que têm acompanhado a aplicação concreta da metodologia preconizada na Lei (por exemplo, a introdução de critérios de desempenho e de indicadores de qualidade, explicitamente previstos na Lei, nunca chegaram a ser considerados), sempre em prejuízo das universidades. Aquilo que deveria ser uma experiência exemplar da afectação dos dinheiros públicos tem-se transformado numa luta desgastante entre a Universidade e a tutela, que todos os anos procura novas justificações, à margem da fórmula de cálculo, para diminuir as dotações. Num país de tão fraca cultura de disciplina orçamental, o valor intrínseco e as potencialidades da experiência não têm sido levadas a sério pelo Estado, que não só não a estende a outros sectores onde se faz sentir a sua falta, como a contraria sistematicamente no único sector onde ela funciona, e com resultados visíveis e palpáveis.
Entre 1998 e 2002, inclusive, ficaram por transferir para as universidades públicas, em orçamentos iniciais de funcionamento, mais de 420 milhões de euros (84 milhões de contos). Estes números são reveladores da incapacidade dos sucessivos governos para concretizar a convergência para o Orçamento-Padrão, consagrada na própria Lei como objectivo para 2002. Tanto mais que a estas cativações iniciais, se juntam ao longo do ano outras formas cada vez menos imaginativas de retenção de verbas por parte do Estado. As revalorizações de carreira, os Programa de Promoção da Qualidade, as progressões e promoções de pessoal docente e não-docente, os aumentos da função pública, ficam por transferir.
Quanto ao orçamento de investimento, nunca até hoje foi possível consagrar o princípio da contratualização em função dos Planos de Desenvolvimento das instituições, apesar de muitas vezes sugerido a sucessivos membros do Governo e de expressamente referido na Lei. Essa opção dos Governos pela cultura do não-planeamento tem conduzido à aprovação casuística de investimentos e tem acentuado o desequilíbrio entre as taxas de instalação das várias universidades, actualmente situadas entre os 40% e os 100%. É um enorme fosso que urge diminuir, é uma prática que importa corrigir.
Os últimos dez anos de experiência mostram, por outro lado, que a cobrança das propinas nunca permitiu aumentar as receitas da Universidade, tendo permitido apenas diminuir o montante transferido pela tutela. Com efeito, ao orçamento calculado para cada instituição, o Governo sempre subtraiu o montante das propinas e transferiu apenas a diferença. Aqui está mais um aspecto da deficiente aplicação da Lei. Será que podemos esperar uma modificação de procedimento? Será que o aumento de propinas de que já se fala vai significar um efectivo aumento de recursos das universidades? Parece-me ser lícito duvidar.
Cinco anos após a publicação desta Lei, revela-se a distância a que estamos da sua efectiva aplicação. É urgente criar uma plataforma de entendimento nesta matéria. Elevem-se os níveis de financiamento tornando-os compatíveis com as actuais responsabilidades do Estado, ou definam-se, com coragem política, responsabilidades do Estado compatíveis com o financiamento que efectivamente está em condições de assegurar. Em qualquer dos casos, tenha-se em consideração de que o que está em causa é a formação de quadros superiores de qualidade, desígnio essencial ao desenvolvimento cultural, económico e social do País. E que, como tenho repetido frequentemente, bastaria evitar, por exemplo, a derrapagem de uma única obra pública de média dimensão por ano, para assegurar boas condições de funcionamento a todas as universidades públicas portuguesas. Será assim tão difícil?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Fernando Seabra Santos
Vice-Reitor da Univ. de Coimbra
Fernando Seabra Santos
Vice-Reitor da Univ. de Coimbra

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