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?A carência deles é contagiante!?

Não se sabe muito bem como, nem quando deixaram de gostar da escola. Há um sentimento de que também a escola deixou de gostar deles. O insucesso escolar levou-os a abandonar a escola, uns passaram pelo mercado de trabalho, outros andavam ?por aí?. Agora pertencem a uma outra comunidade educativa que pouco tem a ver com a escola de onde saíram, dizem eles. Frequentam o Programa Integrado de Educação Formação (PIEF), um ano lectivo alternativo ao sistema regular de ensino que, se levado até ao fim, lhes permitirá validar o 6º ano de escolaridade.

?Estes miúdos não são vândalos!? A advertência é de Susana Neves, psicóloga e tutora da turma do PIEF que desta forma defende os seus educandos. Um grupo de quinze jovens com idades entre os 14 e os 16 anos vindos de diferentes escolas do 2º e 3º ciclo do Ensino Básico do concelho da Maia. Em comum estes jovens têm percursos de vida atribulados e um passado de insucesso escolar. Reunida na Casa do Alto, na Maia, esta comunidade educativa aprende propositadamente fora da escola. ?O projecto está inserido num espaço onde funcionam um centro de dia para idosos e uma creche para estreitar as ligações entre estes miúdos e a comunidade?, explica a tutora. Ao percorrer a Casa do Alto, uma vivenda recuperada, damos conta das diferenças entre esta e a escola convencional: salas amplas, paredes de vidro que deixam trespassar a luz do dia para o interior e um exterior verde, com vista para a serra. Respira-se liberdade.
Foi a falta do que apelidam de liberdade que os fez perder o interesse pelas aulas. Hélder, Tiago, Marta, Lara e Fábio sentiam-se ?fechados? na escola. ?Aqui [na Casa do Alto] o tempo passa num instante?, remata Tiago. A tutora dá uma explicação para este sentimento vago: ?Estudar na adolescência é complicado, os miúdos têm aulas de 90 minutos, são bombardeados de matéria e é tudo muito maçudo.? Mas o grupo dos cinco dá ainda outra explicação para o seu desconforto. Queixam-se dos stores, dizem que não gostavam deles. Mas o que parece ser uma embirração colectiva mostra ser outra coisa. Questionados sobre as diferenças entre a escola que deixaram e a nova ?escola? que frequentam a resposta é uníssona: ?Aqui, se se passar alguma coisa os professores falam connosco, lá [na escola] não, era tudo mais frio.? Insisto para que me expliquem de que forma os professores do PIEF se preocupam com eles. Marta puxa da palavra: ?Com tudo, com a nossa vida, a nossa saúde?? Hélder interrompe: ?E com os nossos vícios.? A julgar pelos cigarros que à saída alguns miúdos nos pedem, os vícios são o tabaco.
Enquanto psicóloga, Susana Neves aponta a carência afectiva como um dos maiores problemas dos seus educandos: ?Às vezes um chega aqui doente ou com dores de cabeça. Eu dou-lhe um analgésico, sento-o um bocadinho e logo me aparece outro a dizer que também não se está a sentir bem? Percebe? A carência deles é contagiante!? Por isso para além das aulas, o PIEF engloba um acompanhamento psicológico dos jovens. A auto-estima e a auto confiança -  explica Susana Neves  - são factores determinantes do ponto de vista cognitivo. ?É preciso recuperar a imagem negativa que estes meninos têm de si próprios?, acrescenta.
 
?Rotulados de não querer fazer nada?

A passagem pela escola regular não foi pacífica, por isso, Susana Neves sabe que os seus educandos foram ?rotulados de não querer fazer nada?, mas o que mais revolta esta psicóloga é perceber que ninguém tentou ver o seu lado positivo. Aquele que ela tenta potenciar e que se traduz numa ?sensibilidade extrema?. Um sentimento que os jovens se esforçam por camuflar. Para ilustrar o que a psicologia social explica, Susana Neves conta um episódio passado entre ela e a turma. ?Uma vez faltei ? estive doente ? e durante o dia recebi imensos toques no telemóvel. No dia seguinte o Hélder disse que tinha sido ele, mas que me estava a dar tanga. Eu fiquei muito contente. Ele estava preocupado comigo!?
É por causa desses rótulos que, na opinião de Emília Santos, a reintegração destes jovens na escola de onde vieram não é ?fácil?, nem ?aconselhável?. ?Os professores e os Conselhos Executivos acabariam por estigmatizar o aluno com base no seu passado escolar?, explica a coordenadora do projecto na Divisão Sócio ? Educativa da Câmara da Maia. Por isso, a reintegração destes jovens no plano educativo passa, preferencialmente, pelo ensino profissional.
É nesta modalidade educativa que o grupo dos cinco, à excepção de Tiago, coloca todas as suas expectativas pós - PIEFE. Hélder (16 anos) quer tirar o curso de hotelaria e ser empregado de mesa. ?Como o meu tio?, explica. Marta e Lara (14 e 15 anos) querem tirar o curso de cabeleireira. Fábio (15 anos) vai seguir o conselho dos pais que lhe disseram para ?não ser burro e aproveitar a oportunidade?. O curso de informática é a sua escolha. Tiago (14 anos) tem outros planos: ?voltar para a escola do Castelo da Maia até fazer 16 e depois trabalhar.? Em quê? ?No que vier ? responde ? mas gostava de ser picheleiro!? E ?ter mais liberdade!?


  
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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