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Três perguntas em início de século
  1. Que prática ou modelo de avaliação existe actualmente nas escolas portuguesas? O que está a ser feito nesse domínio?

  2. Esse modelo é ou não posto em causa com a publicação do 'ranking' de escolas?

  3. Quais as implicações que poderão advir da publicação do 'ranking' para professores e alunos?

1. A Inspecção Geral da Educação tem vindo a realizar acções de avaliação nas escolas onde os parceiros educativos têm participado, dado a opinião e intervido. Porém, as práticas diárias de avaliação estão ainda muito aquém do desejável na medida em que são realizadas apenas pelos professores. Nem sempre se consegue que a comunidade educativa participe desse processo. Nesse sentido, há ainda muito fazer no que respeita ao aprofundamento do processo de avaliação, principalmente no que respeita à vertente da participação. Pensamos que nele deveria incluir-se os alunos - talvez o elo mais importante dos parceiros educativos -, sem esquecer os encarregados de educação e as próprias autarquias.

2. Na nossa opinião, se os resultados forem tratados e publicados em formato de ranking é posto em causa este último modelo que referi, que é mais abrangente e procura incluir outras envolventes do processo de avaliação. A "concorrência" entre escolas até pode funcionar de uma forma positiva, mas nunca de acordo com este modelo.

3. Uma das principais consequências que poderão advir da publicação dos rankings é levar professores e alunos a trabalhar em função das notas, quando hoje em dia é um facto adquirido que a formação do aluno não deve resumir-se a essa faceta. A avaliação continuada mantém-se, sem dúvida, como a melhor forma de avaliar.
Além disso, a publicação de um ranking  pode contribuir decisivamente para a desmotivação das comunidades escolares, já que esta forma de avaliação não reconhece o esforço e o empenho dos diferentes agentes, em especial de professores e de alunos. É reconhecido que um determinado grau de empenho pode corresponder a um determinado resultado numa escola e não resultar da mesma forma numa outra. Os contextos em que elas se inserem são determinantes nesse resultado.

Vitor Sarmento
Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap)

1. As escolas portuguesas (sem contudo generalizar) reflectem pouco sobre as suas práticas. O modelo ou não existe ou é pouco fiável - (leiam-se as dificuldades encontradas pelo autores do estudo realizado pela Comissão de Avaliação Externa).
 
2. A única virtude do ranking é ter obrigado as escolas a reflectirem mais seriamente sobre os seus contextos e sobre todo este "darwinismo" social que se vem instalando, e que se sobrepõe ao que contitucionamente está definido. As leis do mercado não podem aplicar-se a um assunto tão importante como a Educação.
 
3. Poucas dada a falta de controlo das variáveis em jogo. A "publicidade" não traduz correctamente a situação vivida nas escolas. A escola pública, sobretudo nas grandes cidades, já, há muito, deixou de ser o local em que a maioria dos pais com algum desafogo económico coloca os os filhos a estudar. E o descrédito é, por vezes, evidente na atitude de alguns docentes do ensino público ao colocarem os seus filhos no ensino privado.

António Gomes
Presidente do Conselho Executivo
Escola Secundária Oliveira Martins, Porto

1. O que actualmente está consignado, em termos de avaliação das aprendizagens consta de um discurso centrado nas valências formativas da avaliação - considerando-a o elemento regulador do ensino e da aprendizagem ? e realçando a importância de a educação escolar promover a realização de aprendizagens significativas e a formação integral dos alunos, através da articulação e da contextualização dos saberes. Todavia, não é de hoje o facto de os discursos oficiais sobre a educação escolar assumirem, no nosso país, a forma de uma comunicação paradoxal em que os articulados das leis desmentem, formalmente, as intenções manifestadas nos respectivos preâmbulos.
No caso da avaliação, esta comunicação paradoxal é ainda mais notória, já que as valências formativas da avaliação ficam abafadas pela enorme investida avaliativa sobre as escolas que se verifica ultimamente: para além das aprendizagens dos alunos e do desempenho dos professores, realiza-se a avaliação integrada das escolas (pela IGE) e a avaliação aferida que tem servido não só para hierarquizar o trabalho dos professores, mas também polarizar as preocupações educativas em torno da leccionação e verificação de conhecimentos relativos a Português e Matemática, disciplinas a partir das quais se vai construir todo o discurso valorativo do trabalho docente. Deste modo, simbolicamente, desvaloriza-se qualquer investimento que não seja cognitivamente reconhecível nem passível de ser inscrito nos domínios das supra-citadas disciplinas. Existem, ainda, os rankings que hierarquizam as escolas e resultam de uma contabilidade simplista feita em função das classificações obtidas pelos alunos, em provas externas.
Estas investidas avaliativas têm como consequência um acréscimo de importância conferida aos conteúdos disciplinares ? elemento dos programas que é inquirível através de um procedimento do tipo examinação - e correlativo desvalor atribuído às aprendizagens não sujeitas a, ou não passíveis de prestação de provas segundo o figurino da prova global final ou do exame externo. Assim, as valências formativas expressos nos discursos preambulares dos decretos resultam completamente contraditórias e ultrapassadas.

2. Os rankings que hierarquizam as escolas devem ser analisados concomitantemente com as avaliações a que já me referi e que visam o controlo do sistema, mais do que a sua regulação. Creio que uma das principais implicações desta investida avaliativa sobre as escolas e os professores se situa a nível da gestão da identidade destes profissionais, configurando um processo de controlo dissimulado do seu trabalho. A existência de um discurso oficial que acentua a ideia de desempenho, a individualização do trabalho e a criação de hierarquias entre o tipo de trabalho desenvolvido, «empurra» os professores para o desempenho de papéis sujeitos a diversas imposições que controlam a priori a sua profissão, tais como as precisões em termos do tipo de avaliação de desempenho a que têm de se sujeitar, e do tipo de formação que devem cumprir, e a posteriori, por via dos resultados obtidos pelos seus alunos através dos exames externos nacionais, da avaliação aferida e da avaliação integrada das escolas, levada a efeito pela IGE. Isolados e pressionados pela crescente regulamentação em torno do seu ofício, que o torna cada vez mais burocratizado e mais conformizado, os professores vão ficando mais vulneráveis e permeáveis à regulação, entendida enquanto controlo da sua profissão.

Manuela Terraseca
Investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da UP


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

Vitor Sarmento
Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap)
António Gomes
Escola Secundária de Oliveira Martins, Porto
Manuela Terraseca
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Vitor Sarmento
Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap)
António Gomes
Escola Secundária de Oliveira Martins, Porto
Manuela Terraseca
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto

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