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Repensando a escola da modernidade e a modernidade da escola

A escolarização tornou-se no Ocidente, sobretudo a partir do século XIX, a forma hegemónica de educação. A sua legitimidade e hegemonia fundaram-na como um direito "natural" e constitucionalmente atribuído aos cidadãos.

A educação escolar parece encontrar-se nos países ocidentais num ponto crucial do seu próprio desenvolvimento.  Ao mesmo tempo que se universaliza e expande (fala-se agora, em Portugal, de uma escolaridade obrigatória de 12 anos), fragiliza-se na sua legitimidade e na sua hegemonia enquanto instância de formação.  Os estados-nação organizaram os sistemas educativos legitimados pelo modelo sociocultural da modernidade que apontava a escola como dispositivo social privilegiado para transformar os indivíduos em cidadãos, arrancando, assim, os "vassalos" às grilhetas da tirania da tradição feudal.  Efectivamente, a escolarização tornou-se no Ocidente, sobretudo a partir do século XIX, a forma hegemónica de educação.  A sua legitimidade e hegemonia, baseadas na sua pressuposta capacidade de proporcionar uma organização da sociedade mais justa e mais igualitária, fundaram-na como um direito "natural" e constitucionalmente atribuído aos cidadãos.
Em grande parte do mundo ocidental, e não só, a educação escolar, na sua forma de "escola para todos", quase que se universalizou e se tornou a pedra-de-toque dos discursos sobre o próprio desenvolvimento nacional.  A equação mais educação igual a mais desenvolivmento, embora matizada ao longo dos últimos três séculos, acaba por ser a chave de interpretação da importância dada pelos diferentes estados aos seus sistemas educativos.  Interessantemente, não é na fragilização deste pressuposto que a educação escolar parece fazer assentar a sua crise, mas antes na modificação de dois dos seus suportes centrais.  Isto é,  1)  a natureza "pública" desta forma de escolarização está a ser colocada em causa e 2)  a atitude dos cidadãos, em relação aos quais ela foi pensada como um direito imediatamente atribuído, mostra importantes sinais de alteração.
Quanto à primeira modificação, pode defender-se que os efeitos do processo de mercadorização do campo de educação começam a minar a eficácia do princípio de igualdade de oportunidades no que diz respeito ao desenvolvimento de um sistema escolar capaz de promover a igualdade e a justiça social.  Destaca-se o exemplo de Brasil onde a classe média já há algum tempo abandonou em massa o ensino básico público.  De facto, a privatização da educação, não só através da expansão do sector privado mas também via medidas que vão introduzindo na escola pública a lógica do mercado (por exemplo, os famigerados "rankings" e o pagamento de serviços e produtos com o fim de reduzir as despesas do estado com a educação), ameaça a escola como agência fundamental de redistribuição.
Quanto à segunda modificação, de uma forma cada vez mais visível a educação é reivindicada pelos indivíduos e pelos grupos no âmbito de uma reclamação de soberania.  "Queremos retomar o direito de educar as nossas crianças de acordo com aquilo que o nosso grupo pensa sobre a educação", dizem, por exemplo, os porta-vozes de algumas minorias étnicas que, sem dispensar a cidadania que lhes é atribuída, reivindicam formas mais activas de particicipação.  "Quero que o meu filho frequente a escola X e o curso Y, porque são estes que melhores possibilidades lhe dão de obter uma posição confortável no mercado de trabalho.  Não sei sequer se, em termos educacionais, são as ?melhores? escolas e cursos", dizem, por exemplo, os pais da nova classe média, preocupados com o actual desenho do mercado de trabalho.
A educação escolar reclamada pelos grupos e pelos indivíduos surge, assim, não delimitada pela estrutura política do estado-nação moderno, mas por contextos mais complexos que vão desde as opções pessoais por dados estilos de vida até à transnacionalização da estrutura do mercado de trabalho, passando pela comunidade (tantas vezes reinventada). Entre o modelo da escola atribuída e o da escola reclamada parece efectivamente abrir-se um complexo de possibilidades cuja discussão é extremamente urgente.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 117
Ano 11, Novembro 2002

Autoria:

António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto
António M. Magalhães
Univ. do Porto
Stephen R. Stoer
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. do Porto

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