No seu espaço habitual da revista do semanário EXPRESSO, insurgia-se o
colunista e dirigente social-democrata António Pinto Leite, no número de 10 de
Agosto, contra o uso que, em sua opinião, é feito dos nomes em epígrafe,
empregados como "chavões" e "insultos ideológicos" para, no caso, se "atacar o
processo de reformas que o Governo procura levar a cabo" - sem que quem os usa
saiba do que está a falar ou a escrever.
E justifica o agastamento: "A questão merece algum cuidado porque o chavão tem
repercussões no imaginário colectivo. Soa a instabilidade social, redesperta
medos de desprotecção numa sociedade muito concorrencial, simboliza um mundo
árido, de pequenas grandes conquistas e oportunidades, é certo, mas sem
ideal.(...) A lógica predadora da globalização é a outra dimensão do ataque. No
fundo, diz-se, a globalização é um produto do tal neoliberalismo, não fosse o
neoliberalismo não haveria globalização, ou haveria uma outra globalização, boa
e não má."
Ora, toda a gente que lê livros ou jornais, ouve rádio ou vê televisão "sabe"
ou "sente" que neoliberalismo e globalização - mesmo não identificados como
filhotes do Hipercapitalismo - têm o exacto significado do que "soa" ao
articulista: "insensibilidade social, sociedade muito concorrencial, mundo
árido, de pequenas grandes conquistas e oportunidades, sem ideal e com uma
lógica predadora."
Por outro lado, todo o português medianamente ilustrado (mesmo que não tenha
lido Keynes, Myrdal ou Angélopoulos e não pudesse prever o óbvio fracasso da
Conferência da Terra de Joanesburgo) já percorreu minimamente os caminhos
teóricos que vão desde Karl Marx até Francis Fukuyama, o sociólogo japonês que,
reconhecendo concomitantes a globalização e o neoliberalismo como vectores de
um imaginado solidário Universalismo, assevera que ele se alcançará - proclama
no seu conhecido livro "O Fim da História e o Último Homem" - com a
"homogenização" da política liberal, da economia de mercado, das tecnologias de
ponta, da cultura da iniciativa privada, etc., vitoriada no exemplo da
sociedade norte-anericana.
Mas, curiosamente, já outro famoso sociólogo demoliberal, americano, Samuel
Huntington, questiona, no seu livro "O Choque das Civilizações e a Mudança da
Ordem Mundial: "Normativamente, a crença universalista do Ocidente parte do
pressuposto de que os povos do mundo deviam adoptar os valores, as instituições
e a cultura ocidentais, que contêm em si o modo mais elaborado, esclarecido,
racional, moderno e civilizado da humanidade." Para adiantar logo a seguir: "O
imperialismo é a necessária consequência lógica do universalismo."
É claro que a maioria dos portugueses não associa sequer a milagrosa "receita"
americana à "globalização" de velhos impérios, como o romano ou o napoleónico.
E as "suspeitas" de uma qualquer perversão chegam-lhes através de sinais como a
falácia do consumismo e da expansão dos mercados, a "abertura" das economias
nacionais, as convulsões repercussivas das Bolsas, a exaustão dos recursos
naturais e a predação da Natureza, o desemprego cíclico, as endémicas
emigrações por causa da fome ou das guerras, a desertificação dos interiores
subdesenvolvidos e a saturação das cidades, a pauperização da classe média em
proveito de uma crescente minoria de ricos de ocasião (Portugal tem dez mil
grandes e pequenos milionários!), os mais pobres condenados à exclusão (na
Argentina, 500 mil citadinos "fugiram" para os campos) - e não precisam de
saber mais nada para, sem qualquer equívoco, ligarem aqueles nomes aos
fantasmas que já lhes assombram os lares.
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