Página  >  Edições  >  N.º 116  >  "Por vezes o discurso do professor não é o mesmo discurso que o aluno descodifica"

"Por vezes o discurso do professor não é o mesmo discurso que o aluno descodifica"

Gémeos, mas pouco

Nelson Lima é pai de um rapaz e de uma rapariga, gémeos. Os irmãos completaram, no ano lectivo passado, o 1º ciclo do Ensino Básico na mesma turma. Nestes primeiros quatro anos de escola, o director do Instituto da Inteligência teve oportunidade de ver, com olhos de pai e de psicólogo, as diferenças entre os estilos de pensamento e de aprendizagem dos filhos. Viu também o modo como essas diferenças se reflectiram na relação dos gémeos com a professora e no seu aproveitamento final.

O rapaz: "Ele é objectivo, rigoroso e organizado na informação. Aprende com facilidade, mas é introvertido, logo, menos social. Prefere escrever, é bom em textos e cópias? É o melhor da turma."

A rapariga: "Ela é criativa. Adora pôr o braço no ar, prefere dizer do que escrever. Sendo extrovertida e social, é muito mais desorganizada do ponto de vista mental? É a sétima ou oitava melhor da turma."

Conclusão: "O Coeficiente de Inteligência deles é exactamente igual. O que predomina são inteligências diferentes. Ela tem uma inteligência social elevadíssima, a dele é mais sofrível. Na inteligência lógico-matemática ele é mais forte. Têm aprendizagens diferentes porque têm estilos de pensamento diferentes. E a professora dá-se melhor com ele porque têm a mesma linguagem, o mesmo estilo."

O Instituto da Inteligência, no Porto, trabalha e produz investigação na área das ciências cognitivas desde 1998. Um dos públicos da instituição são as crianças em idade escolar com dificuldades de aprendizagem. A pensar nelas, mas não só, o Instituto da Inteligência criou, em Setembro deste ano, o Cartão de Identificação Cognitiva (CIC). Por detrás destas três palavras está um conjunto de informações que podem ajudar os pais a entender porque é que o filho reclama na hora de fazer os trabalhos para casa e os professores a contornar as dificuldades de aprendizagem do aluno. "Qual o interesse disto?" Em entrevista à Página Nelson Lima, investigador na área da psicologia científica e director do Instituto da Inteligência, respondeu à questão por si colocada.


O que é o Cartão de Identificação Cognitiva?

Cada pessoa - devido a características que estão relacionadas com o cérebro e a estrutura mental que esse cérebro produz - tem uma forma muito particular de perceber, registar e transmitir a informação. O cartão reúne informações que nos permitem saber como o aluno retira informação dos livros, das provas, dos professores, dos colegas, como ele a transforma na sua própria informação e no seu próprio conhecimento e como transmite esse conhecimento. Através desta informação conseguimos saber porque é que existem dificuldades na aprendizagem: é que, por vezes, o discurso do professor não é o mesmo discurso que o aluno descodifica.


Quase como uma discrepância de códigos?

Exactamente. Por exemplo, um aluno visual está mais atento ao que vê do que ao que ouve e isto é suficiente para provocar discrepâncias [entre o seu modo de aprender e o modo de ensinar do professor]. Outro exemplo: um aluno com um estilo de pensamento muito criativo tem uma visão muito mais abrangente, muito mais holística das coisas e num discurso pode estar a querer dizer muito mais do que aquilo que um indivíduo que tenha um outro estilo esteja a ver. Os estilos de pensamento que procuramos descobrir, e que estão ligados a toda a actividade cognitiva, têm profundas repercursões nas aprendizagens. O CIC serve para o aluno se conhecer melhor e para que os pais e os professores o conheçam melhor. Deste modo, é possível elaborar estratégias que facilitem ao professor o trabalho de fazer chegar a mensagem ao aluno e que ajudem o aluno a fazer chegar a sua mensagem ao professor.
Mas é difícil para o professor adaptar-se aos diferentes estilos de pensamento que poderão existir numa sala de aula?
Por enquanto o ensino não pode ser personalizado. A formação básica é essencialmente massificadora. A escola tem um discurso geral que decorre dos conteúdos dos programas e depois um discurso a um nível mais próximo do aluno que é o do próprio professor. Cada professor tem o seu próprio estilo de linguagem: alguns conseguem ter uma grande plasticidade de linguagem e a maioria dos alunos é capaz de apreender com fidelidade o que é dito, outros não. Isso depende da experiência profissional, das habilidades de comunicação do professor e da atitude - isto é muito importante! Depois há estilos de ensino que são centrados no aluno. São os que mais se desejam mas requerem uma grande atenção aluno por aluno. E quando imaginamos turmas com trinta alunos, percebemos que ao longo do ano é difícil para o professor dar atenção a todos. A tendência é sempre para falar para os grupos. Por isso, uma forma de ultrapassar este problema nas escolas talvez seja o de agrupar os alunos conforme as diferenças de estilo de cada um.


Como assim?

Por exemplo: sabemos que os alunos introvertidos têm melhor aproveitamento de manhã e os extrovertidos de tarde. Por uma razão muito simples: a temperatura corporal de um indivíduo introvertido de manhã é cerca de um grau e meio mais elevada que a de um extrovertido. Este só de tarde atinge o mesmo nível que o introvertido tem de manhã. Ora se no CIC dizemos que o aluno é predominantemente introvertido, [o professor] fica a saber que provavelmente está perante um indivíduo que tem mais facilidade de aprendizagem de manhã. O extrovertido terá menos. Talvez fosse útil numa sala de aula agrupar extrovertidos com introvertidos e promover uma interacção. Ao juntar pessoas que são claramente diferentes podemos fazer uma equipa altamente dinâmica. Ou seja, o problema da personalização do ensino poderá ser ultrapassdo através desta dinâmica de grupos, mas sabendo escolher de forma correcta os diferentes alunos para cada grupo.
Não queremos dizer com isto que a escola se deva transformar de tal maneira que atenda às particularidades de cada um. Deve haver inteligência suficiente para que, na posse destes documentos, quer os alunos, quer os professores possam fazer uma aproximação ao ideal de aprendizagem, que passa pela criatividade, pelo pensamento crítico? Aprender não é apenas memorizar. O verdadeiro conhecimento é o que o aluno constrói, pegando em todas a informações de que dispõe.


Quando um pai está na posse de todas essas informações o que é que pode fazer?

Ao conhecer melhor como o filho funciona nas aprendizagens, os pais podem dar-lhe apoio, por exemplo, na distribuição das horas de aprendizagem. É um erro crasso obrigar certo tipo de alunos a fazer trabalhos de casa (TPC's) à noite. Um aluno introvertido tem muitas mais dificuldades, do ponto de vista do esforço cerebral, em fazer TPC's a partir das 18h. Um extrovertido está quase à vontade, pode não o estar totalmente porque talvez queira brincar, mas essa é outra questão? Em termos cerebrais ele está muito mais desperto ao fim da tarde do que um aluno introvertido. Essas pequenas coisas são importantes para os pais e para os professores. Não estou a dizer que se dispensem os TPC's. Vamos é criar condições para minimizar o esforço do aluno.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo