Por detrás do discurso sobre a "crise da escola"?
O discurso sobre a "crise da escola" é tão antigo como a própria
escola e todos os que são minimamente informados em História da Educação
conhecem inúmeros textos onde, em diferentes épocas e sobre os mais diversos
pretextos, irrompem os mais amargurados queixumes contra a ineficácia do
sistema educativo, a pouca qualidade da escola, a ignorância dos alunos e a
deficiência dos seus resultados.
Contudo, apesar de existirem muitas semelhanças, o discurso da "crise da
escola" tem conhecido, ao longo dos tempos, múltiplas cambiantes,
encontrando-se ao serviço das mais diversas estratégias.
Presentemente, em Portugal, este discurso tem vindo a ser orientado contra dois
dos pólos reguladores que maior protagonismo tiveram durante grande parte do
período de expansão dos sistemas públicos de educação: o Estado e os
Professores. Pretende-se criar a ideia, na opinião pública, de que "eles" são
"os maus da fita" e que, portanto, o caminho para se encontrar a "poção da
qualidade da escola" passa por lhes retirar poder, aumentando,
proporcionalmente, a intervenção do mercado e das famílias.
Ora este discurso primário e maniqueísta, já praticado, desde há muito, em
outros países, conduz facilmente a soluções contrárias aos aparentes objectivos
de melhoria da educação pública que os seus autores dizem defender. É por isso
que tenho vindo a mostrar as vantagens de se encontrar um equilíbrio (e
mediação) na intervenção das diversas forças reguladoras que têm assegurado, em
diversos momentos, a coordenação da escola pública, nomeadamente através de uma
"gestão tripartida" assente nos seguintes pilares:
O Estado e a sua administração (central e autárquica), com base na
legitimidade democrática da sua constituição, atribuições, competências e modos
de funcionamento, têm, como principal finalidade, garantirem, de modo activo, a
democraticidade, a igualdade, a equidade e a eficácia do serviço público de
educação, através das seguintes funções: definição, execução e controlo de
políticas nacionais e locais; afectação global de recursos; regulação de
processos; estímulos ao desenvolvimento e mudança; avaliação de resultados;
compensação das desigualdades.
Os alunos e suas famílias, com base na legitimidade dos seus direitos de
cidadãos e utilizadores directamente interessados e afectados pelo serviço
público de educação, têm, como principal finalidade, exercerem o controlo
social sobre a escola, no sentido de assegurarem a sua democraticidade,
igualdade, equidade e eficácia. Isso faz-se, não só, através de mecanismos de
prestação de contas por parte dos diferentes níveis da administração, mas
também, através da responsabilização e participação directa, dos alunos e suas
famílias, nos debates, acordos, compromissos e decisões, necessários à
definição, construção, execução e avaliação de um projecto educativo comum de
escola.
Os professores, com base na legitimidade das suas competências
profissionais, mas também enquanto cidadãos responsáveis pela prestação de um
serviço público, têm, como principal finalidade, assegurarem as actividades e
tarefas necessárias à realização da missão educativa da escola, no quadro das
suas atribuições próprias. Estas exercem-se quer em contextos pedagógicos,
principalmente em relações de face-a-face com os alunos, mas também no quadro
de intervenções de carácter social, cultural e cívico, quer com os alunos e
suas famílias, quer com a comunidade local no seu conjunto.
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