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Escola, para quê? - A vida como candidatura?

Encontram-se agora desarmados e impotentes, uns buscando freneticamente uma primeira oportunidade, outros aceitando um "gancho" de passagem, outros vagueando por anúncios, outros, ainda, invadindo os espaços públicos, construindo uma plataforma de revolta, de denúncia, ou tão só de inconformismo...

A pergunta torna-se cada vez mais insistente e generalizada, enquanto que as respostas se refugiam cada vez mais na sombra das palavras envergonhadas, nos silêncios esconsos e furtivos ou pura e simplesmente no reconhecimento indignado de que "esta" escola deixou definitivamente cair a máscara; a máscara que lhe permitia apresentar-se como a garantia de um futuro assegurado a todos os que lhe merecessem um diploma.
A pergunta provém de todos os sectores sociais do público escolar, mas ela é, compreensivelmente, mais instante e desafiadora, provocatória até, quando é feita por gente que quis acreditar ou teve necessidade de acreditar na eficácia da sua mensagem e a isso sacrificou tudo ( a alegria do quotidiano, o tempo de fazer amigos, a viagem da descoberta de si próprio...). Encontram-se agora desarmados e impotentes, uns buscando freneticamente uma primeira oportunidade, outros aceitando um "gancho" de passagem, outros vagueando por anúncios, outros, ainda, invadindo os espaços públicos, construindo uma plataforma de revolta, de denúncia, ou tão só de inconformismo...
Todos pensamos nos candidatos a professores, que foram notícia frequente nos últimos tempos, mas "eles" são muitos mais e estão em toda a parte: "eles" são todos candidatos a tudo e cada vez mais cedo, mas especialmente a partir do secundário, que é onde se começa a preparar a candidatura.
Convém lembrar, de passagem, que toda a candidatura envolve um momento de pureza e de inocência, de qualidades de "candidez", sem a qual a máscara da escola não funciona, o que significa que todo o bom funcionamento do sistema precisa de um bom número de candidatos em todos os sentidos. O grande segredo de "esta" escola, o que alimenta tão poderosamente a sua condição de máscara é, justamente, a possibilidade de dispor de meios que transformam uma obrigação ? a obrigação de ir à escola ? numa situação de candidatura, isto é, num processo em que cada um assume a obrigação universal como um desejo pessoal...A partir daqui, tudo se passa como se a relação com a escola, com o saber, com o futuro profissional, fosse inteiramente uma questão de responsabilidade individual e de gestão pessoal das oportunidades, o que, fundamentalmente, quer dizer jogar o jogo da oferta e da procura sem contemplações. O sucesso ou insucesso é, então, implacavelmente, um desafio com que cada qual está individualmente confrontado. Mais do que com o outro, ou tanto como com o outro, é consigo próprio que cada qual se mede, dia após dia, ano após ano, sem que jamais se possa conceder a certeza de que a mínima distracção, neste mercado das oportunidades, não representa o irremediável.
O reforço desta lógica, longe de ser compensado com uma resposta social mais harmónica, mais conforme com as promessas contidas nos princípios que a legitimam, traduz-se em medidas políticas cada vez mais discriminatórias, como as que se anunciam no âmbito da disciplina escolar, da didactização intelectualista à moda de J. M. Baptista para a Matemática ou da restauração da obrigatoriedade curricular da religião e moral. Questões que, como vemos, remetem para uma visão do aluno como de alguém que já "nasce destinado", fora de qualquer relação social...
Que lugar para o trabalho criativo dos professores, sobretudo para aqueles que não desistem de ver a sua actividade profissional orientada por uma relação social que promova a criação dum sentido para a escola, onde caibam a iniciativa da descoberta, o prazer da invenção e da compreensão de si, o sabor do aprender para além do que se ensina ou a partir do que se ensina? Não será legítimo que também eles, os professores, se questionem "Escola, para quê?


  
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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