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Um congresso de ciências sociais levou-me ao Brasil. Aproveitei para viajar pelo país e viver o presente agitado de dezenas de milhões de brasileiros insubmissos que pela via eleitoral tentam encontrar um caminho para uma alternativa verdadeiramente democrática e popular.

Da eleição para a presidência até aos parlamentos estaduais, passando pelos senadores, deputados federais e governadores de Estado, a esperança saiu à rua com o número 13. No sistema eleitoral brasileiro este é o número que a ampla aliança política e social de esquerda escolheu para ganhar o poder político no Brasil. Será digitando 13 na urna electrónica que os eleitores brasileiros irão, certamente, tornar presidente um antigo metalúrgico e valoroso líder sindical e político.
Eleger Lula é, antes de mais, um acto de libertação das classes populares: a renuncia aos preconceitos relacionados com a falta de diploma universitário e as origens operárias do candidato petista. É a derrota da mais forte das ideias dominantes ? a de que o poder só pode ser exercido pelos filhos dos bons ventres, "encartados" pelas melhores escolas universitárias, ainda que corruptos até às vísceras como Collor de Melo ? às mãos da cultura de um povo que não enjeita os seus saberes e tem orgulho em escolher como representantes para os mais altos cargos do país homens e mulheres das classes populares.
Que fará Lula se eleito presidente? Romperá com o neoliberalismo ou, pelo contrário, a ele ficará atrelado, para gáudio de Washington e dos seus criados locais? Não estando em causa, sublinhe-se, a lealdade do petista para com as causas emancipatórias, uma agenda de esquerda só pode ser jogada caso exista um forte apoio político e social. Quer isto dizer que temos de olhar para o PT, principal força política do vasto movimento que suporta Lula. Longe de ser homogéneo, neste partido articula-se (e confronta-se) uma base social de pendor revolucionário e anticapitalista com uma tendência social-democrática influente na sua elite dirigente. Mas esta não poderá, por embaraço da tragédia neoliberal, continuar com as políticas de FHC sem FHC. Nem, tão pouco, o tempo lhe corre de feição para impor a hegemonia. As crises na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, a promessa do mesmo no Brasil, a proletarização acentuada das classes médias, no passado o maior suporte social das ditaduras militares, e, não menos relevante, a brutalidade com que o poder imperial americano age na América Latina constituem alavancas poderosas para as forças de esquerda amarrarem Lula e o governo petista a um programa nacional e popular.
As dificuldades serão pesadas. Como já fez saber, Washington não vai tolerar que mais um país da América Latina, ainda por cima soberano da Amazónia, lhe escape ao controlo. Não sendo politicamente viável bombardeá-lo, restará colocar em acção a velha mania, como lhe chama Eduardo Galeano, de armar um golpe de Estado, agora já não para estabelecer uma ditadura militar mas uma conveniente "democracia" governada por políticos de palha. Mas, como Chávez na Venezuela está a mostrar, é possível desafiar a ordem imperial. Se conseguirem jogar com o factor soberania nacional junto dos sectores mais progressistas da burguesia produtiva e dos militares, Lula e o PT terão boas possibilidades para levar avante uma alternativa democrática e popular para o Brasil. E com ela reinventar, trinta anos depois, a experiência socialista chilena de Salvador Allende em democracia e liberdade.


  
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Fernando Bessa Ribeiro
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Pólo de Chaves
Fernando Bessa Ribeiro
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Pólo de Chaves

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