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O tempo (I)

A medição do tempo astronómico foi uma das preocupações que envolveu os astrónomos ao longo dos séculos.

O tempo astronómico foi objecto de observação desde o Neolítico e teria como fundamento a previsibilidade do movimento dos astros (com as excepções de estrelas cadentes, de cometas e de super-novas). Os círculos de pedra da cultura megalítica, cuja origem remonta ao Mediterrâneo oriental para depois, passado o estreito de Gibraltar, se estender no arco atlântico até à Escandinávia, bem como as torres de observação, desde Babilónia à Índia e também na América Central, são testemunhos instrumentais dessa ciência empírica e de sua provável liturgia. Já no início do século XVII, Galileu Galilei, utilizando a luneta astronómica, descobre os satélites de Júpiter, acontecimento excepcional, por ter revelado que há “mais mundos” para além da nossa Terra. A sua obra Diálogo sobre os dois Principais Sistemas do Mundo (1632), o geocêntrico e o heliocêntrico, encontra-se também fundamentada nessa grande descoberta observacional, de grande alcance tanto teórico como prático. Com efeito, para além dos movimentos do sol, da lua e dos restantes astros (devido ao próprio movimento da Terra) ser já utilizado para medir o tempo, o movimento dos satélites de Júpiter (como um relógio fixado no céu) poderia agora também ser utilizado para medir o tempo, e com vantagem, a de ser um tempo igualmente observável de qualquer ponto da Terra.
Mas a preocupação ou a necessidade de medir o tempo encontra-se igualmente documentada em numerosos artefactos, desde a Antiguidade: relógios de água (clepsidras) ou de areia (ampulhetas) em que, num e noutro caso, um fluido se escoa e um volume se mede ou se esgota. Com origem igualmente remota, mas mais característicos da nossa Idade Média, temos os relógios solares (gnomões), instrumentos astronómicos fixos ou portáteis, e os relógios de combustão (velas e candeias).
O relógio mecânico surge na Renascença, inicialmente com a função de indicador ou preditor de efemérides astronómicas (século XV); converteu-se depois, gradualmente, em relógio com a função de marcar o compasso da hora, e por essa via disciplinar a vida comunitária, primeiro na torre do convento e da igreja ou na sede municipal (séculos XVI a XVIII), mais tarde nas escolas e nas estações de comboios e dos correios (séculos XIX e XX). Mas no entretanto, o relógio mecânico teve ainda uma outra não menos importante evolução, esta como máquina de precisão, representação humana da máquina do mundo, e como tal deu origem (no século XVIII) a uma exuberante produção de planetários, autómatos, relógios de sala, relógios de bolso e variados instrumentos científicos.
Todavia, o relógio mecânico teve antepassados longínquos. O computador astronómico de Antikythera (Grécia século I AC, decoberto em 1901) é um artefacto surpreendentemente “moderno” pela concepção e pela realização; é um mecanismo que ainda reflecte a influência da astronomia Babilónica; pela sua raridade (exemplar único) demonstra que os artífices gregos dominavam a técnica mas que aquele intrumento ainda não tinha uma função. Um milénio mais tarde (século XI), os calendários Islâmicos eram instrumentos de cálculo que testemunhavam já a influência da astronomia grega Ptolomaica.
O cronómetro ou relógio de precisão foi uma invenção de importância crucial para a navegação. Com cronómetros, dois observadores arbitrariamente afastados podem conhecer o mesmo instante no tempo, um “tempo universal”; era esta uma solução muito mais prática do que a vislumbrada por Galileu a partir da observação do sistema planetário dos satélites de Júpiter. O cronómetro marítimo foi efectivamente desenvolvido na segunda metade do século XVIII, tendo sido instrumental para o domínio dos mares pela Inglaterra e pela França.
Para além da navegação, o cronómetro tornou-se instrumento precioso para a cartografia e a geodesia também. Dois séculos passados, segunda metade do século XX, o relógio de quartzo permitiria a “democratização” do tempo certo, instrumental na adesão ou imposição a ritmos de vida e de trabalho mais apressados. E o relógio atómico permitiria atingir ritmos com estabilidade superior à dos próprios astros; hoje, mede-se com rigor o ritmo de rotação da Terra bem como o de pulsação de estrelas e os respectivos retardamentos. Utilizando estes relógios atómicos e satélites terrestres, dispomos hoje da possibilidade de localizar com grande precisão um ponto à superfície da Terra, reconhecer a forma exacta desta, detectar as suas lentas deformações. São o conhecido sistema de navegação por satélite GPS (Global Positioning System, EUA) e os anunciados GLONASS (Rússia) e GALILEO (União Europeia).


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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