Como leitora da Página da Educação e
eventual colaboradora, venho manifestar minha indignação com os
termos do texto publicado pelo Senhor António Manuel Batista sobre o
que ele chama de “A Curiosa Ciência do Professor Boaventura.
A ignorância agresssiva com a qual o senhor Antônio Manuel Batista
se dirige ao trabalho de BSS beira o insuportável. Não sabe ele,
como físico, que as teorias científicas não são
estáticas exatamente porque, ao perceberem e confirmarem uma determinada
“verdade” dentro do limite dos objetivos que se dá o pesquisador
em um momento determinado, esconde ou não sabe outras à primeira
relacionadas? Será que ele ignora que as verdades de Einstein e de Hawking
são diferentes das verdades de Heisenberg e Prigogine, o que significa
que o fazer ciência inclui competição entre entendimentos
diferentes sobre o real? Descartando uma possível e imperdoável
ignorância deste físico a respeito do que digo, só posso
entender a absolutização dos avanços científicos
e das verdades por ele produzidas com a qual se opõe ao trabalho de BSS
como um ato de má-fé. Até os cientistas precisam vender
livros!
Com relação ao caráter não social e mutável
da ciência, pergunto: Será que o Professor nunca apresentou ou
avaliou um Projeto de Pesquisa científica? Nessas avaliações,
a relevância social do estudo é um dos critérios para o
financiamento ou não do trabalho. Será que a relevância
social não é motivo suficiente para afirmarmos que a ciência
e sua evolução são “socialmente determinadas”?
Para além dessas questões, o Professor parece ignorar que BSS
não é um não pesquisador errante. Suas críticas
dão seguimento a muitas outras, às quais talvez valesse a pena
o senhor Batista ter acesso, para evitar o ridículo de se opor de modo
tão primário e precário a um representante de uma corrente
de pensadores, advindos das mais diversas áreas do pensamento científico,
que vem confirmando através de numerosos estudos a pertinência
e a relevância dos escritos de BSS. Cito alguns: Kuhn, Prigogine, Stengers,
Feyrabend. Maturana. Talvez alguma leitura ajudasse.
Com relação ao exemplo do texto, gostava de lembrar ao Senhor
Batista que, se a existência do átomo é certa, são
menos certos os seus comportamentos e transformações, que ainda
consomem muita pesquisa e muito debate na área. Quanto à evolução
biológica, até no Canal Discovery pode se ver informações
mais bem fundamentadas cientificamente do que o infantil argumento desenvolvido
por Batista.
No que se refere à realidade, dá-me pena ler um texto onde um
suposto cientista questiona a idéia de que há, no mundo real,
inúmeras possibilidades inscritas e que serão ou não desenvolvidas
de acordo com as escolhas que fizermos, sem falar nas existências invisíveis
a certas abordagens que, nem por isso, são menos reais. O objetivismo
tacanha – que ele chama de objetividade - que tantos males já causou
ao nosso mundo precisa se opor à objetividade séria e responsável,
pois nela não há espaço para as absolutizações
que impedem pensar o desenvolvimento do mundo como derivado daquilo que escolhemos
fazer, permitindo-nos nos isentar das nossas responsabilidades sobre as conseqüências
do que fazemos.
Se o conhecimento científico não é uma construção
social ele é o que? Qual a ciência que já foi produzida
fora das sociedades, das preocupações e prioridades que ela se
dá e das possibilidades que ela cria de tornar real aquilo que imagina
e deseja? Assim as sociedades investem no desenvolvimento da ciência,
muitas vezes sem perceber que os resultados dos avanços podem ter conseqüências
indesejáveis, conforma afirma e BSS e com o já sabido e difundido
no mundo, até pelas autoridades internacionais que vêm tentando,
com muito custo, recuperar a dimensão ética do fazer científico,
esquecida por aqueles que acreditam que a ciência não é
uma construção social.
Por todas essas razões, entristeço-me com o espaço desperdiçado
por este jornal, que tanto aprecio, para a apresentação de um
texto que não contribui em nada e para nada, ao contrário da brilhante
entrevista concedida ao jornal pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, que
não deixa nenhuma margem de dúvida quanto a quem é e quem
não é o cientista digno de atenção neste simulacro
de debate.
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