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Marx, Durkheim e a teoria da infância

Para os meus discentes do Curso de Antropologia do ano académico 2001-2002, que me motivaram para a pesquisa destas ideias.
Não é a infância de Marx e Durkheim que eu refiro. Refiro-me ao que eles afirmaram sobra a infância, o meu tema preferido, o da criança.

Pouco se sabe do facto de Émile Durkheim ter usado, em conjunto com a sua equipa, o método do materialismo histórico para a sua análise da vida social. E, no entanto, no seu livro escrito em 1888 e publicado como obra póstuma em 1928, Le Socialisme, Durkheim, faz uma apreciação da obra de Marx, tal como a escreve em Dezembro de 1897, na Revue Philosophique, o seu “Essais sur la conception materialiste de l’histoire”.
Que Durkheim saiba de infância, é um dado adquirido. Que Durkheim se baseie na obra da Marx, é desconhecido.
No seu livro, também póstumo de 1925, L’Education Morale, Durkheim diz que “o filho de um filólogo não herda um único vocábulo. O que a criança recebe dos seus pais, são faculdades muito gerais...há uma considerável distância entre as qualidades naturais da infância e a forma especial que devem adquirir para serem utilizadas durante a vida...” . Ao longo de duzentas páginas ou mais, o nosso autor desenvolve a sua teoria sobre a educação moral e a pedagogia, para acrescentar mais à frente que a existência de classes sociais, caracterizadas pela importante desigualdade de quem tem e de quem apenas possui a sua capacidade de produção como força de trabalho, torna impossível que contratos justos sejam negociados, entre um possuidor e um não possuidor de meios de produção. O sistema de estratificação social existente, constrange uma troca igual de bens e serviços, ofendendo assim as expectativas dos povos das sociedades industriais. “A exploração impossibilita...uma igualdade necessária para exprimir a vontade...” (a minha tradução)
As ideias expressas nas páginas 209 e seguintes, delimitam a sua ideia original do desenvolvimento das capacidades da criança. Estas parecem depender da classe social, como refere Durkheim e os seus comentaristas.
Como comenta Marx, no seu texto publicado em 1951, mas escrito em 1857 e 58 o Grundisse - um adulto não pode tornar a ser criança excepto se age como um pequeno, o que até lhe parece impossível, por causa da virtudes e formas estéticas de agir dos mais novos. Formas de comportamento esperadas dos mais novos, que, por causa da época, da relação social, denominada capital ou troca de bens, entre pessoas, são doentes.
A relação que procura o lucro, retirando mais valia do trabalho de outrem, e especialmente de crianças, é uma forma doentia de ganhar ou de criar bens. No entanto, na conjuntura analisada, o nascimento das relações entre seres humanos orientadas pela obtenção de lucro e mais valia, retirada dos não possuidores de bens, as crianças devem passar a ser crianças precoces.
Na nossa sociedade, a infância não tem direito a brincar, nem a desenvolver o seu imaginário, devido ao facto de começar a trabalhar desde muito cedo na industria e assim apoiar a sua família. Ideais desenvolvidas ao longo de mais de cinquenta páginas no texto referido, denominado também de Fundamentos para a critica da Economia Política.
É a partir destes textos, bem como das ideias do trabalho infantil que não desenvolve intelectualidade na infância, referidas por Marx no seu texto O Capital, que Durkheim elabora a sua teoria da pedagogia quer no texto citado de 1925, quer ainda, no seu Leçons de Sociologie. Physique de Moeurs et du Droit de 1904 e 1908, publicado em Istambul em 1934 e na França em 1950.
A análise materialista da História é usada por Marcel Mauss, no seu texto denominado de forma comum, Ensaio sobre a Dádiva, ao dizer que Durkheim tem razão na sua ideia de que “o nosso Estado retira de nós as nossa posses e capacidades por meio das leis e dos impostos: o trabalhador deu a sua vida e o seu trabalho à colectividade por um lado, aos seus patrões por outro...não estão quites com eles através do pagamento do salário..” (página 187 da edição portuguesa de 1988) Ideias de Marcel Mauss, baseadas na obra de Durkheim e Karl Marx.
É apenas um conjunto de ideias para expandir o saber sobre a criança. É preciso procurar entre os autores associados às actividades revolucionarias, como Marx, que de facto, apenas foi a base teórica para outros agirem; ou como Durkheim, jamais associado a Marx, menos ainda à obra de Mauss, quem teve o trabalho de juntar o material da imensa obra de Émile Durkheim, para a publicitar com os seus próprios comentários.
Penso que a nossa mentalidade ideológico-classificatória, desdenha Durkheim como analista social e pedagogo, vira as costas à obra de Marx por não andar na moda da globalização, e desconhece o socialismo de Marcel Mauss. Os quais começaram a entender a realidade a partir da análise da actividade e epistemologia da criança. Epistemologia que, por causa de eles, posso eu hoje entender e exprimir aos meus discentes, está contextualizada pela classe social. Entender a criança, é entender a obra dos autores citados que lutaram e morreram por causa das crianças. Tal o caso histórico de Durkheim, como o desconhecido da vida de Karl Marx, ou a doença mental de Marcel Mauss que, aterrorizado por causa dos seus descendentes, intelectuais e consanguíneos, poderem desaparecer na Segunda Guerra Mundial do Século XX, tal e qual tinha sido na Primeira Grande Guerra, fugiu do real refugiando-se numa calma paranóia.


  
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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