Aos problemas de justiça social e de injustiça
económica, veio juntar-se a injustiça cultural. Ou seja, há
hoje lugar para distinguir entre políticas de redistribuição
e políticas de reconhecimento.
Disciplinadamente, tomo como ponto de partida o entendimento
explicitado pelos coordenadores desta rúbrica quando da apresentação
dos propósitos da mesma. Diziam então: "(?) procuraremos
questionar quer o lugar a partir do qual (?) as perguntas sobre o ?caminho
a tomar? são feitas, quer o ramo da árvore a partir de onde
(se) responde" (a página, Fevereiro de 2002). O lugar de partida
é o das, assim designadas, políticas sociais de inserção,
género que se vem inscrevendo na família (mais ou menos nuclear
ou alargada) das políticas chamadas de "nova geração".
O conteúdo e desenho destas políticas não tem um recorte
consensualizado entre os analistas da matéria. Neste campo, parecem ter-se
criado maiores entendimentos quanto à "doença" do que
quanto às estratégias de "tratamento". É comum
considerar-se que o velho recorte da política social serve mais e melhor
grupos sociais inscritos na classe média, do que os "públicos"
vulnerabilizados (e menos ainda aquelas em processo de vulnerabilização).
Várias têm sido as terapias ensaiadas, como diversas têm
sido as lógicas de interpretação do que "fará
melhor" aos problemas em causa. À consertação social
tem sido acometido o papel difícil, e de equilíbrio precário,
de fazer acordos mais ou menos provisórios em contexto do jogo das "necessidades"
expressas pelos vários parceiros sociais. Co-existindo com este "velho
modelo" surgiram mais recentemente (com particular acuidade na década
de 80 no contexto da Europa Comunitária) as designadas parcerias ou partenariados.
Vários atributos lhes têm sido imputados, desde a melhor gestão
do decidido noutras instâncias, até a uma nova forma de governação
das coisas públicas. Algumas das medidas, programas ou projectos, têm
sido particularmente tocados por este novo dispositivo (lógica ou princípio)
e, dentro destes, ainda com maior acuidade, nas intervenções dirigidas
ao campo da probreza e exclusão social. Se estivermos de acordo de que
a pobreza e exclusão social são problemas de justiça social,
então o debate hoje em curso sobre a composição da injustiça
social interessa-nos. Em trabalhos recentes de Nancy Fraser*, em acréscimo
à injustiça económica, veio acrescentar-se a injustiça
cultural (feita de dominação cultural, do não reconhecimento
e desrespeito). Argumenta, então, que hoje há lugar para distinguir
entre políticas de redistribuição e políticas de
reconhecimento, cuidando respectivamente das injustiças económicas
e das injustiças culturais.
Neste mesmo alinhamento de reflexão, mais recentemente, Sally Power e
Sharon Gewirtz**, com base na reflexão de Fraser, suscitam para o debate
uma outra dimensão de injustiça social que, do seu ponto de vista,
tem estado subsumida: a injustiça associativa. As reflexões introduzidas
apresentam-se pertinentes por duas ordens de razão:
- pela pertinente chamada de atenção quanto ao diferencial
de "existência" sócio-política e da "presença"
associativa de grupos e problemáticas que, hoje, desafiam a designação
minoritária pelo qual são vistos;
- pela pertinente urgência de interrogar políticas (sociais
e outras) cujas medidas, programas e projectos se anunciam como os mais generosos
associativamente (caso dos que se desenvolvem em parceria).
Em contexto desta "nova geração" de
políticas sociais, é tempo de rotinizar a interrogação
sobre as parcerias substituindo a banalização do "bem-fazer"
que acriticamente se lhes atribui.
* Por exemplo, Justice Interruptus, Nova Iorque: Routledge
(199/).
** Power, Sally e Gewirtz, Sharon (2001) "Reading education action zones",
J. Ed. Policy, 6, 1, 39-51.
|