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A necessidade de instrução feminina

APESAR DE RÁPIDOS progressos que a mulher tem feito em vários campos de actividade e da ciência, há muitos pessimistas que acham que o movimento da educação feminina tem produzido mais dano que o bem. Pois os descontentes sustentam que, no tempo das suas avós, uma menina, antes de mais, aprendia a fazer os arranjos da casa: cozinhar, talhar, bordar, etc. e que a rapariga moderna perde o tempo em estudar Geografia, História Universal, Física, Química e outras ciências que, eles julgam, nao the são precisas pela vida fora.

EXAGERAM O PASSADO para pintá-lo a cores vivas; nao se pode dizer que todas as senhoras apesar de terem sido treinadas em trabalhos caseiros foram sempre boas donas. Se as houve, também as existem agora a despeito da vertigem da vida moderna. Na Inglaterra e na America, especialmente, senhoras com estudos científicos e literários exercem profissões e, ao mesmo tempo, têm vagar para dirigir as suas casas e tratar das suas famílias, com proficiência.

NOS TEMPOS DOIRADOS de que tanto se ouve falar, antes de se generalizar o movimento da educação feminina, não havia para raparigas um treino científico nem a arte doméstica, e esta estudavam-na em casa, sem outros estudos que consistiam, em geral, na aprendizagem de noções rudimentares de Aritmética, Geografia, História, um pouco de Francês, Música e Costura.

OS INICIADORES DA REFORMA da educação feminina viram que as raparigas precisavam duma educação mais sólida para lutarem pela vida, e conseguiram a sua admissão nas Universidades, as quais ate aí eram frequentadas só pelos rapazes; promoveram a fundação de boas escolas para o sexo feminino em muitas das quais, a par da educação literária, também se ensinam as ciências domésticas.

ESTA REFORMA da educação feminina veio a tempo, porque é sabido que existem no Mundo mais mulheres que homens e, principalmente, depois da Grande Guerra aumentou esta diferença: naturalmente todas as mulheres não podem casar, portanto muitas têm que trabalhar para se sustentarem: e se a mulher nao fosse superiormente instruída e treinada para várias profissões - como é que ela poderia lutar pela vida? Se pertencesse às famílias remediadas, o treino para dona de casa sómente não lhe serviria para esta luta pela vida, que está hoje no auge.

O ESTUDO METÓDICO e sério de ciências e da literatura faz desenvolver o cérebro, tornando lúcida a inteligência. Assim, quando a mulher tiver uma instrução sólida e for muito ilustrada, será mais útil a si, à familia e à Humanidade, e não terá tempo para tratar das coisas banais.

A EDUCAÇÃO SUPERIOR da mulher não tem sido uma falha como muitos querem dizer; mas pelo contrario, a tem beneficiado, e dizer que uma menina não necessita de instrução sólida seria um disparate igual ao que se dissesse que um rapaz tambem dela nao precisa.

O QUE SE NÃO PODE DIZER é que a educação tenha feito da mulher um modelo de perfeição, isso é que não; a Humanidade é imperfeita pela natureza; a educação não pode operar milagres, nem pode produzir prodígios de sapiência e virtude, mas pode modelar a força e o poder mental, abrir a razão para compreensão de várias coisas que não podem ser percebidas sem a suficiente instrução; tendo ela inteligencia e capacidade pode ate dirigir, metódicamente, os arranjos da casa, melhor do que faria se tivesse pouca instrução ou simplesmente a instrução primária.

SOU,POIS, DE OPINIÃO que as raparigas, sendo possível, devem receber instrução secundária e até superior. Infelizmente, aqui, não há além do Liceu Central, o qual recebe, como ouço dizer, só um limitado número de alunos, outros estabelecimentos onde se ministre o ensino secundário ao sexo feminino, como os há actualmente em abundância na vizinha Índia.

Filomena da Cunha
Índia, Goa, 18 de Novembro de 1930
(in "AO SOPRO DAS BRISAS FAGUEIRAS DO ÍNDICO"


  
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Filomena da Cunha
Escritora
Filomena da Cunha
Escritora

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