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Futebóis...

Ainda ninguém se lembrou de relacionar o afastamento da selecção nacional do Mundial de futebol e o início dos exames nacionais do 12º ano... Será que Morais Sarmento poderia ser o substituto de Oliveira?

Os exames nacionais do 12º ano começaram poucos dias depois do afastamento da selecção nacional do Mundial de futebol. À hora em que escrevo este texto ainda não li nenhum artigo que tivesse relacionado os dois acontecimentos. O que espero que venha a acontecer, mais dia menos dia, pela pena de um desses palradores de serviço - que tentará provar, à custa de ambos os acontecimentos, como o principal problema do Portugal contemporâneo é o laxismo e a permissividade.
Quase que me apetece apostar que, para um desses arautos da redenção nacional, o Jaime Pacheco estará para a selecção como os exames da 4ª classe para os estudantes portugueses. A ver vamos. Com o pouco que sei de futebol, acredito que o Jaime Pacheco sempre será melhor seleccionador que o Morais Sarmento. Quanto ao papel dos exames do 4º, do 6º ou do 9º ano, a coisa fia mais fino. Para que os queremos ?
David Justino, num depoimento prestado ao "Público" (16.06.02), demonstra a sua perplexidade pelo facto de, hoje, os alunos se defrontarem com o seu primeiro exame, apenas, ao fim de doze anos de escolaridade. Ou seja, para o ministro da Educação, os exames no presente justificam-se, afinal, em função da necessidade de realização dos exames, no futuro. Proposta bizarra cujo sentido um outro ministro, o Dr. Marques Mendes, esclarece, quando, nesse mesmo jornal, nos demonstra como foram os exames que lhe garantiram o curso de Direito. Um curso que o mesmo obteve no intervalo das suas funções quer como adjunto do governador civil de Braga quer como vice-presidente da Câmara Municipal de Fafe. "Praticamente só ia a Coimbra para os exames. Tinha um amigo (...) que me mandava as chamadas "sebentas". Eu, como bom aluno universitário, estudava em cima dos exames". Vivam, então, os exames e, já agora, as sebentas, os artefactos que, pelos vistos, têm vindo a permitir que alguns Antónios e umas tantas Marias tenham podido anexar um decisivo Dr. ao nome com que os decidiram nomear neste mundo.
Dos exames como justificação dos exames, transitamos, então, para um outro propósito mais arrojado, o dos exames como garantia da obtenção de um curso. Onde fica no meio de tudo isto a inteligência, a cooperação e a aprendizagem dos alunos ? Desconheço. Segundo Clara Ferreira Alves e Eduardo Prado Coelho bastava-lhes a memória prodigiosa e a facilidade de expressão na escrita para se safarem sem mais delongas na realização dos exames. Pedro Lynce, o actual ministro da Ciência e do Ensino Superior chega mesmo a confessar que fazia copianços para os enfrentar. Maria José Nogueira Pinto, por sua vez, circunscreve a justificação do esforço que realizava, durante o seu período de estudo, ao facto dos professores que conheceu não gostarem muito "que improvisássemos em matéria de definições".
Olha-se para isto e não é possível deixar de perguntar como é que se pode falar com nostalgia da exigência e do rigor da Escola no passado, perante os cenários que todos estes depoimentos nos revelam ? Olha-se para isto e pergunta-se como é que uma escola assim pode contribuir para formar os tais gestores criativos, originais e arrojados que irão modernizar o país ou os trabalhadores qualificados que nos irão retirar da semi-periferia onde nos encontramos ? Olha-se para isto e é obrigatório que inquiramos se a gritaria em torno dos exames como solução dos problemas que afectam a Escola, em Portugal, não vale o mesmo que o desabafo daquele adepto que com igual veemência tanto insultava a incompetência do João Pinto, no fim do jogo, como o incensava à categoria de jogador imprescindível, antes daquele se iniciar.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 114
Ano 11, Julho 2002

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto

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