Uma leitura de indícios e pistas sobre possibilidades outras de
compreender o(s) tempo(s) de ensinar e aprender.
Desde o início da década de noventa que temos - um grupo de professoras
alfabetizadoras - vivido, no cotidiano de uma escola pública, o movimento de
construirmos, coletivamente, a autonomia no nosso trabalho, investindo na
reflexão da prática alfabetizadora realizada na escola e, também, na criação de
uma estrutura que favoreça a nossa formação permanente.
Uma questão sempre esteve presente em nossas discussões: por que algumas
crianças ainda chegam ao final da 1ª série sem terem se apropriado da linguagem
escrita? Sílvia, uma professora alfabetizadora, insistia: o tempo da escola é
diferente do tempo da criança. Como é que fica a criança que não acompanha o
tempo da escola?
Na época não percebíamos o que Sílvia nos sinalizava. A multiplicidade,
relatividade e subjetividade do tempo estavam presentes em sua fala. Prigogine
(1996) na discussão que realiza sobre o tempo, nos fala sobre a pluralidade de
tempos que nos constituem e confirma o que Sílvia, por estar envolvida e
comprometida com o que vivia no cotidiano da escola, intuía. Como reduzir os
tempos das crianças ao "tempo da escola"?
Acompanhar Rafael, visto por sua professora, como uma criança que não
estava acompanhando a turma, muito nos ensinou. Embora já esteja
presente no discurso da professora que as crianças por serem sujeitos
históricos vivem de um modo bastante peculiar o processo de apropriação da
linguagem escrita, na prática, a expectativa ainda é que todas aprendam pelo
mesmo caminho. No fundo, permanece a crença de que é possível determinar e
controlar os tempos e os modos de aprendizagem dos alunos moldando diversos
tempos a um único tempo - considerado como a "norma" para todos. Crença
construída ao longo da nossa formação tendo como subsídio o paradigma
hegemônico da modernidade que apresenta uma certa racionalidade como a
racionalidade, desqualificando qualquer outra como irracionalidade.
Rafael, ao contrário de seus colegas de classe, escrevia quase no final do ano
de um modo incompreensível para nós. Sempre que iniciava suas produções,
desenhava antes de escrever. Gostava de desenhar e lidava com intimidade com
essa linguagem. Ajudadas pela leitura de indícios presentes em suas
produções e modo de agir, só então pudemos perceber que sua escrita era em
curva. Apenas quando saímos do lugar onde estávamos - o da lógica
linear da escrita, foi possível ler o que escrevia. A referência do Rafael era
a do desenho que trabalha com linhas, mas não é linear como a escrita.Tal como
o detetive que a partir de uma nova pista passa a ver o que antes não via,
passamos a ver/compreender o que antes não compreendíamos.
Ainda estamos aprendendo a ver além das aparências imediatas, que são, muitas
das vezes, ofuscantes e enganosas. O aprendizado que temos experienciado de ler
os indícios e pistas, muitas das vezes insignificantes, mas reveladores
(GINZBURG, 1989), presentes nas produções e modos de compreender das crianças,
tem nos revelado que longe de ser ausência de saber, o modo peculiar e singular
das crianças aprenderem, tem outros saberes, vez que podem pensar o mundo a
partir de outra(s) lógica(s). O que parece erro e não saber, a partir do nosso
ponto de vista, pode ser compreendido de outras formas se nos desafiarmos a ler
e compreender os indícios e as pistas deixadas pelas crianças em seus modos de
compreender o ensinado.
Referências bibliográficas:
-
GINZBURG, Carlo. 1989. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e
história. SP. Companhia das Letras.
-
PRIGOGINE, I. 1996. O fim das certezas: tempo, caos e as leis
da natureza. SP. Editora da Universidade Estadual Paulista.
1 Atuei, nesta escola de 1989 a 1996. Em 1996 me afastei da
escola, pois ingressei na Universidade. Em 1998, retorno à escola na condição
apenas de pesquisadora da universidade.
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