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Stress e indisciplina na escola: Uma provocação da Psicologia


"Procura a flor que há na rosa"
Jorge Listopad


(como quem busca a pessoa vive no aluno
)

Como diria na sua entusiasmante enormidade, um outro grande poeta de língua portuguesa, a questão é literal e metaforicamente de "cavalo marinho" (Carlos Drummond de Andrade), o que não impede a banalidade implícita em falar de indisciplina agressividade e violência nas escolas. Para além da - amplificação da visibilidade social que, incontornavelmente, alguma comunicação social produz, dos dividendos políticos que certas forças retiram de tal efeito, das dimensões laborais - de desvalorização objectiva da função docente, que, no entanto, não deve ser confundida nem diluída no discurso, geralmente demagógico, da perda de autoridade do professor, o qual obriga a uma reflexão cultural muito mais profunda e que ultrapassa os limites da discussão puramente educativa - e da anomia organizacional das nossas escolas (em processo ambivalente de construção da sua autonomia), apetece dizer algo mais do que é habitualmente reconhecido. Em primeiro lugar, que todas as profissões cujo objecto de trabalho se situa de um modo privilegiado, na relação com os outros produz, invariavelmente um elevado nível de desgaste emocional. Somos nós próprios que constituímos a matéria-prima, a partir da qual se constrói a arena dos conflitos, das expressões emocionais, das desregulações comportamentais e de toda a classe de riscos implicados nas relações humanas. Bem fez o INAFOP, Instituto Nacional para a Acreditação da Formação de Professores em tornar explícita, através de uma forma juridicamente forte (Decreto-Lei do Conselho de Ministros), a imposição da competência relacional no reportório dos requisitos para um eficaz desempenho profissional autónomo do papel de docente. Sabiamente, Freud, há cerca de um século, ajudou-nos a compreender que as relações interpessoais significativas, isto é, de proximidade emocional, são o palco de um duplo processo que nos caracteriza como sujeitos psicológicos (de desejo, de conhecimento, de emoção, de acção, de controle e de dominação): o da possibilidade de deslocamento dos nossos conflitos (com dimensões interpsíquicas e relacionais) para um outro objecto (o que significa, no caso da relação professor-aluno que o primeiro pode constituir o alvo de tais revivências - que não se reduzem a uma mera evocação mnésica) e que, mais importante, do ponto de vista em que nos colocamos neste raciocínio, é imprescindível o desenvolvimento psicológico dos professores e, especificamente, nas dimensões que directamente se referem à capacitação para o estabelecimento de uma relação de confiança, emocionalmente investida, que funcione como base segura para os alunos para a exploração de um mundo que, simultaneamente, se apresenta como a possibilidade da sua aprendizagem e crescimento, na mesma medida em que, inevitavelmente, é um mundo em processo de envelhecimento e carente de renovação. Aparentemente, de um ponto de vista psicológico, o desenvolvimento, quer de alunos quer de professores, sugere como uma imposição, portanto. O discurso do desencanto, que hoje encontra eco dentro e fora das escolas, não passa de um sintoma velho, mesmo que não faça esquecer as especificidades dos desafios - muitos deles inéditos - que a escola atravessa nas sociedades contemporâneas. Convém não esquecer que, tal como no período final da Idade Média, vivemos uma época de transformações múltiplas e rápidas que geram incerteza e sentimentos de insegurança sem prejuízo da indispensabilidade de medidas políticas (a todos os níveis incluindo o local), a mensagem que pode ser transmitida é a de que (embora nada seja susceptível de repetição, nem no plano da história colectiva nem do desenvolvimento ontogénico), baseada no processo que da Idade Média conduziu a história humana ao esplendor do Renascimento, a formação psicológica (relacional) dos professores deveria (embora não tenha sido) ser tomada como a dimensão central (insuficiente, obviamente) do exercício eficaz, competente e autónomo da profissão docente. E o problema não é especificamnete português. Pelo menos neste caso. Como sempre, o desenvolvimento e a evolução podem afirmar-se como nas palavras do poeta "Não como a adaptação da espécie a um novo ambiente, mas como o triunfo da memória sobre a realidade" (Iosif Brodskii).


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 112
Ano 11, Maio 2002

Autoria:

Joaquim Luís Coimbra
Professor associado da Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. do Porto. Membro do Instituto de Consulta Psicológica, Formação e Desenvolvimento.
Joaquim Luís Coimbra
Professor associado da Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. do Porto. Membro do Instituto de Consulta Psicológica, Formação e Desenvolvimento.

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